sexta-feira, março 24, 2006

Venerium, o Lance de Venus



Apesar de deturpado por quase dois milênios, o verdadeiro sentido da palavra venerium, não é sexual, ele significava para os romanos o melhor lance no jogo de dados, portanto um lance de muita sorte, um Royal Street Flash no jogo de dados, e conseguir um numa rodada era muito raro, só mesmo um amado de Vênus podia conseguir um deles numa rodada de dados.
Mas às vezes alguém conseguia mais de um o que era muito raro. Porém, se este ganhador se jactasse da sua sorte ou do amor da Deusa perdia tudo rapidamente. Porque Vênus não tem nada a ver com a sorte e para os deuses gabar-se e exaltar-se é a expressão da insolência, algo que é exatamente o contrario do espírito venusiano.
“Nec semper Veneris spes est profitenda roganti” Nem sempre a expectativa de Vênus é um convite declarado. O charme venusiano está nas palavras de Ovídio “Muitas cobiçam o que foge, e a quem as assedia oferecem destem”. Ele aconselha moderação silencio calma e cortesia, para os que querem se desenvolver na arte de amar.
A Anquises, pai de Enéas, a quem a deusa amou, ela tornou aleijado por ter se vangloriado aos amigos de se deitado com Vênus. Pompeu que se dedicou a Vênus Victrix, associada à vitória, inaugurando templos e cultos para sua protetora, porém de nada isto adiantou, quando seu inimigo foi César da gens de Iulo (Julia) o filho de Enéas neto de Vênus. Na véspera da batalha decisiva, sonhou que enfeitava o Templo de Vênus e percebeu que o sonho não lhe era favorável, trocou sua divisa “Vênus Victrix” por “Hercules Invictus” e perdeu a batalha de Farsalo.
César vitorioso, sabia que no charme venusiano, o próprio conceito de sucesso é fruto de encantamento, e em sua volta a Roma ao invés de fazer um templo para a Vênus Vitoriosa ele o fez pra “Venus Genitrix” a Vênus Geradora, a Vênus Mãe, numa demonstração clara, de que ele sabia, que a vitória é simplesmente uma conseqüência da proteção venusiana.
Os benefícios dados por Vênus de forma alguma depende de fatores aleatórios como a sorte ou o azar, mas sim de “Charme” (feitiço, encantamento) da Deusa que dá aos seus protegidos a certeza da vitória não importando o tipo de empreendimento.
A deusa protege aqueles que lhe rende culto, aqueles que fazem o veneratio ( veja em alguns post abaixo) não apenas se entregando totalmente a ela como também aqueles que se entregam totalmente ao amor, sem pudor ou medo, pois a beleza é a mãe do amor.
Vênus acolhe em seu seio aos amantes e jamais os desampara. Alimentando tanto a paixão quanto o restante da vida terrena, assim aos amados de Vênus jamais faltará teto ou comida. Porém para aqueles que se amedrontam com seus próprios sentimentos, fogem ou desprezam os presentes de Cipris, ela reserva dor e lagrimas.
Ciúmes em demasia ou desconfiança afrontam a deusa, já que a paixão é presente dela. Como num Veneratio, devemos nos entregar por inteiro e não nos preocuparmos com mais nada, pois ela cuidará de tudo. Mas como no jogo de dados devemos lembrar que o venerium, não acontece toda hora, e se esperarmos que ele aconteça sempre, cairemos na presunção que os deuses detestam e entregam a Nemèsis, aquela que exalta aqueles a quem vai derrubar.

quinta-feira, março 23, 2006

Guarda-chuvas



Um dos aspectos que mais chamam a atenção nos guarda-chuva é o numero impressionante de perdas, passou a chuva ele é esquecido em algum lugar e geralmente as pessoas só voltam a se lembrar deles na próxima chuva, aí nem adianta tentar lembrar onde perdeu, pois com toda a certeza ninguém vai lembrar de um guarda-chuva esquecido, apenas o dono, principalmente se era um bom guarda-chuva, daqueles mais robustos que agüentam chuva forte, e até servem de apoio e bengala.
Comprar outro baratinho destes que existem na loja de R$ 1,99, não vai resolver, pois com a primeira chuva ele se desfaz, vira do avesso e como num passe de mágica deixa você na mão, sem nenhuma proteção.
E o pior de tudo, enquanto sentimos falta, ele, o guarda-chuva não está nem aí, pois como tudo que foi perdido só faz falta pra quem perdeu, o que foi perdido se conforma e fica ali como quem não quer nada jogado num canto até que alguém, vendo que esta chovendo passa a mão nele, pra quebrar um galho até perceber que ele é forte e seguro, um produto raro nos dias de hoje. Pronto, sem sair do lugar o guarda chuva arruma uma nova dona, que dá mais valor que a anterior. Vai cuidar melhor dele, prestar mais atenção, vai seca-lo antes de guardar e não vai usa-lo como bengala, uma terceira perna, porque afinal esta não é a sua verdadeira função, mas sim proteger .
Enquanto isto depois de varias tentativas, aquele que perdeu por esquecimento, começa a se desesperar, acreditando que só aquele guarda-chuva servia e que nunca vai achar outro igual. Procura, se informa e se molha tentando descobrir quem achou o que ela não deu tanto valor enquanto o possuía, acreditava que o guarda chuvas era apenas um objeto e que sempre estaria ali a disposição, já que ele podia até servir de bengala, mas não tinha duas pernas para fugir. Como realmente aconteceu, ele não fugiu , foi displicentemente esquecido, como algo sem valor. E o pior não foi a primeira vez , foi fato recorrente.
Hoje faça chuva ou faça sol o guarda chuvas se abre e passeia alegremente, com sua nova dona, que se afeiçoou a ele o segura com firmeza seu cabo, firme mas com a suavidade de uma caricia, o guarda chuva sente se feliz com o toque quente e suave daquela mão e finalmente sente que não será mais perdido e abandonado.
Bem, se isto acontece com guarda-chuvas, o que diremos das pessoas, amigos e amores que as pessoas perdem por falta de atenção e cuidados, mas em geral a regra é sempre a mesma aquele que foi perdido pode por um tempo ficar largado em algum canto, mas não perdem a oportunidade que a vida lhes oferece, e nunca deixam de seguir em frente.
Já aquelas que perdem, vivem muito tempo no passado, se apegam ao que perdeu e buscam de qualquer forma tem de volta aqueles que perdeu, nem que para isto usem dos piores meios, chantagens e ameaças, o que só piora a própria situação, pois na verdade estão tratando a pessoa como um objeto, esquecendo que sentimentos mudam, e que mesmo a grande amizade ou amor que sentiam, se acabou com o abandono. E hoje, recuperado tem outro amor, outros amigos e continuou sua vida. Algo que os perdedores deviam fazer também, ainda mais quando existe algo em comum, que precisa conviver com o outro, afinal sangue é sangue.

quinta-feira, março 16, 2006

O Fio do Destino

Sempre soube de que do destino ninguém escapa,
ou se conforma e se deixa levar pelo próprio destino
ou é arrastado por ele, e isto é inexorável.





Nem mesmo “Tique”, a fortuna, malabarista cega que joga seus malabares enquanto caminha, sem saber ao certo quem dos humanos sobe ou desce, tem o poder de burlar o que foi traçado pelas Moiras. Mesmo o toque Tique já estava previsto no fio cardado por Cloto.
Um bocado de alegria, um tanto de tristeza (afinal como valorizar a uma sem conhecer a outra) um pouco de sorte um quinhão de azar; amor, desilusões e tudo que torne a vida completa.
Cloto carda e fia a vida de cada ser vivente, homens e deuses estão sujeitos a esta mescla das fibras que compõem o fio de sua existência.
Pacientemente Cloto extrai fibras de flores e plantas para criar o enredo do destino de cada um de nós. Gerânios simbolizam a tristeza, Jacintos as magoas, a desconfiança está na Alfazema, a pureza no Lírio, Amarílis trás o orgulho e Anêmona que nos dá o sentimento de abandono. Estas flores são pisadas e secas e depois são fiadas em conjunto com a vaidade do Narciso, um bocado de Miosótis que significa o amor verdadeiro, a Altivez do girassol e a inocência das Margaridas. Uma variedade de rosas; as vermelhas simbolizam as emoções apaixonadas, as cor-de-rosa estariam ligadas aos amores sublimes, as brancas ao amor puro e incondicional, mas as amarelas são misteriosas - uns dizem que simbolizam o ciúme, enquanto outros afirmam que estão ligadas aos amores afortunados. Desta tessitura de emoções e sentimentos, misturado sem proporções estáveis é que é tramado e fiado o nosso destino. Assim, a cada um de nós cabe uma vida diferente, cabendo a alguns uma vida amorosa e rica e a outros uma vida pobre e vazia.
Porém não adianta nos rebelarmos, pois a revolta só vai nos sofrer mais do que devíamos, e como conta a mitologia, cada ato cometido para fugir ao destino mais nos aproxima dele.
Laquesis põe o fio no fuso e faz a meada, o numero de voltas, todas as idas e vindas que passamos pela vida, e toda vez que queremos mudar este curso, acabamos puxando o fio e embaralhamos o novelo, e muitas vezes ao querermos mudar ou apressar o destino damos um nó em nossa vida. Podemos passar anos ou mesmo a vida inteira desatando algo que não conseguimos viver e antes que consigamos esquecer e superar.
Átropos, a moira cega, corta o fio de nossa vida com sua implacável tesoura, sem enxergar, o que explica que uns tem vida longa e outros passam rapidamente pela vida antes de voltar ao seio de Gaia.
Quantas vezes mudamos (mesmo sem saber por que) o rumo de nossas vidas, viramos a mesa, abandonamos empregos, deixamos de amar aquela que era a mulher de nossas vidas e quando percebemos já é impossível voltar atrás por mais que nos arrependemos. Isto é o destino, se está tramado no fio de Cloto, não tem como voltar atrás, a única saída é seguir em frente da melhor maneira possível. Nós mesmos criamos as situações que remetem ao cumprimento de nossa sina ou gloria.
É dito que se tivermos um momento de lucidez antes de morrer, nossa vida passará como num filme na nossa frente e é somente neste momento que conseguimos ver nosso destino inteiro e aí perceberemos o sentido que fez tudo o que vivemos e percebemos que por mais que fugíssemos, não escapamos do nosso destino. Quando olhamos para trás fazendo um balanço do que vivemos, percebemos claramente que cada mínimo ato fez sentido para o que veio depois dele.
Por mais que pareça conformismo ou fatalismo acreditar no destino, está crença é a verdadeira liberdade, pois seguimos os nossos sentimentos e intuições que são as maneiras de dialogar com o que nos está reservado.
È impossível perceber o que nos está reservado, este segredo está guardado com as Parcas e acreditar que sabemos o que nos reserva é a pior armadilha, pois seremos arrastados justamente para onde tentamos fugir.
Será que Édipo teria uma vida diferente se Laio não acreditasse no Oráculo ? por que os troianos não acreditaram em Cassandra ? e Paris seria um simples pastor honesto se Príamo não escutasse as predições ? não sabemos o que aconteceria, mas os mitos nos relatam o que aconteceu:
Laio foi morto por Édipo exatamente como disse o oráculo, afastar Édipo foi uma vã tentativa.
Cassandra previa exatamente a verdade, mas foi amaldiçoada por Apolo, o deus que era aliado de Tróia e por isto ninguém acreditava nela e tudo aconteceu como ela previra.
Paris foi exposto no monte Ida, com esperança que os sonhos cheios de presságios de sua mãe Hécuba não se concretizassem, mas ainda assim, foi o causador da destruição da cidade.
Assim, a fuga do destino nunca acontece, mas quem sabe qual é realmente o seu destino ? Eu pelo menos não sei, mas com certeza sempre analiso com muito cuidado os presságios, pois neles podem conter alguma armadilha das Moiras.


SEGUE O SEU DESTINO


Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

(Ricardo Reis)

quarta-feira, março 15, 2006

Cotidiano



Quem mais poderá acreditar, que me levanto antes de você para preparar o café e te levo na cama?
Que paro extasiado olhando seu corpo moreno em contraste com o branco da cambraia, e que tenho que tomar cuidado e me lembrar da responsabilidade para não jogar o café com leite gelado e as torradas quentes pra cima e voltar pra cama e voltar a dormir com você.
Que te acordo com longos beijos para tirar da sua língua o que restou dos seus sonhos na noite, que adoro seu gosto de noite e seu cheiro de trevas, sento ao seu lado na cama com meu café amargo, e me delicio com a visão do que aparece do seu corpo, que você busca esconder, mas que a mágica cambraia dos lençóis faz questão de desvelar e te beijo novamente sentindo o gosto infantil do leite em sua boca.
Que quando você segue para o banho me aninho em seu travesseiro, colando meu corpo ao colchão para roubar pra mim o seu calor que ainda está encharcado com o suor da madrugada, cubro a cabeça e aspiro o cheiro de nós dois que ainda impregna o quarto e se concentra entre os lençóis.
Posso falar a vontade, ninguém acreditaria que isto é cotidiano e que ocorre por meses a fio, poderia dizer que a cada breve despertar digo que te amo e que creio que sonho com você falando o mesmo no meu ouvido, que a cada virada na cama trocamos beijos e juras.
Ninguém acredita mais no amor, é mais fácil chorar em filmes e livros românticos do que amar de corpo e alma como faziam os antigos pagãos, sem culpa ou medo do pecado, hoje, chamam o amor de paixão e acreditam que dura pouco e preferem viver de sonhos, e buscam almas gêmeas e não sabem que no dia a dia é que construímos o amor e que nos entregando vamos nos conhecendo e nos conhecendo vamos aceitando minuto a minuto as diferenças exercitando a compreensão e construindo pedra por pedra a fortaleza que nos proteje da inveja daqueles que fogem do amor.
Vejo você sair do banho, te peço um beijo e te abraço por minutos, pois sei que o tempo é inimigo do amor e me excito com seu strip-tease aos avessos de quando você se veste e tento lembrar da sua programação diária e se encontro tempo pra voltar pra casa no almoço, para um amor despudorado a luz do dia com as janelas abertas.
Sigo com você para te dar um beijo na porta do elevador e as vezes sigo ao seu lado, descabelado como em todas as manhã, orgulhoso e de mãos dadas até o estacionamento.
Quem vai crer, que penso o dia todo em você, e que espero muitas vezes em desespero que a noite chegue, pra te preparar um banho, te esfregar inteira e lhe fazer o jantar. Ninguém acreditaria ainda que eu jurasse que é verdade que sempre dormimos abraçados, e que muitas vezes trançamos tanto nossas pernas a ponto de eu acordar a noite sem saber direito o que sou eu e o que é você.
Mas deixa o nosso cotidiano é nosso e verdadeiro, ainda que todos achem que é poesia e delírios deste sonhador apaixonado.

Cotidiano
Chico Buarque
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café

Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão

Seis da tarde, como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca prá beijar
E me beija com a boca de paixão

Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
Me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode as seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã