quinta-feira, novembro 23, 2006

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ.



I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III
A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?

IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante

Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.

Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana

Não essa que te louva

A cada verso
Mas outra

Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente

E porisso talvez
Te aborreças de mim.
(...)

Hilda Hilst

[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]
[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]

segunda-feira, novembro 20, 2006

Voltando


Faltam apenas longos segundos para que você chegue, nem adianta lhe dizer o que passei no sitio sem você afinal lá é o nosso lugar, nossa terra.
O que é a Terra sem uma rainha, um rei sem Rainha é um rei sem terra sem chão, uma espada desembainhada que só pensa em guerras, fúria e morte.
Até mesmo o mais poderoso dos reis, precisa de sua rainha, sua calma sua paz e a bainha onde repousa sua espada, é o tempo sem guerras, é a paz. O aço frio e cortante é guardado e o ardor e a chama da batalha acontece em outro terreno, outro território.
Marte fica perdido entre campos de corpos despedaçados, onde o cheiro da putrefação e a presença das aves carniceiras que fazem da desolação, banquete. E assim se sente um rei sem rainha, como um dragão que olha tudo em volta e não encontra sua donzela, sua deusa.
Porem de volta ao palácio, ele se esquece de marte, se esquece das batalhas sangrentas e dos gemidos de dor, quando ele guarda a espada na bainha, nem mais é ele quem reina, mas sim Vênus, que chama para uma guerra sem armas, sem mortos ou feridos, chama para uma batalha num leito de flores, uma batalha que afasta a morte e traz a vida com toda a sua intensidade.
Sua volta, apesar pelas contas dos homens se passarem apenas sete dias da sua partida, para mim foi um ciclo completo do inverno e do caminho que leva ao submundo. E agora sindo que até mesmo o mundo retorna ao seu ritmo e voltamos a Primavera.
Te quero demais minha querida.



Depois de Chico na Ida, só mesmo Chico na volta.


O meu amor

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo Fosse a sua casa
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

terça-feira, novembro 14, 2006

Você viajou...



Voltar pra casa, ver a cama desarrumada e deixar tudo
do mesmo jeito. Quem sabe assim o tempo pare?
E nada mais aconteça até que você volte.
E na próxima vez que eu entre no nosso Ninho
(pois é bem isto que hoje ele parece)desarrumado com lençóis e edredom revirados,
restos de roupas que não couberam na mala,
espalhados pelo quarto
eu encontre ele arrumado, sinal que você voltou antes.
Logo que cheguei corri e abri seu armário,
suas roupas ainda estavam lá, seus livros nas estantes,
contas na escrivaninha, ( bom é só uma viagem)
um bilhete grudado na tela do computador outro na televisão
(acho que o limpavidros tira a cola), que logo colei nos anjos de Raphael,
que ficam sobre nossa cama sempre fingindo não ver nada o que ocorre no leito
Tudo bem é apenas uma semana, só sete dias ou apenas 159 horas.
Que são afinal 9.540 minutos senão uma miserável quantia de segundos,
somente 572.400 deles.
Porém, em cada um destes segundos
vou estar sentindo a sua falta, pensando em você
Catso!
São sete dias!
E ainda nem começaram.
acho que devo agüentar
Mas as seis noites serão bem piores, Terríveis
Vou passar todas elas te procurando na cama,
vou sentir falta do seu cheiro e calor.
Que saco!
Bem, mas fica combinado o seguinte:
Só esta vez ...
Depois nunca mais você me deixa sozinho tá?

Deixa eu dizer que te amo
Deixa eu pensar em você
Isso me acalma
me acolhe a alma
Isso me ajuda a viver
Hoje contei pra as paredes
Coisas do meu coração
Passei no tempo
Caminhei nas horas
Mais do que passo a paixão
É um espelho sem razão
Quer amor fique aqui
Deixa eu dizer que te amo
Deixa eu gostar de você
Isso me acalma
me acolhe a alma
Isso me ajuda a viver
Hoje contei pra as paredes
Coisas do meu coração
Passei no tempo
Caminhei nas horas
Mais do que passo a paixão
É um espelho sem razão
Quer amor fique aqui
Meu peito agora dispara
Vivo em constante alegria
É o amor que está aqui
Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you"
- Tinha suspiradoTinha beijado o papel indevotamente
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido
Sentia um acréscimo do estímulo por si mesma
E parecia-lhe que entrava enfim uma existência superiormente interessante
Onde cada hora tinha o seu intuito diferente
Cada passo conduzia um êxtase
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.
"Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you
Carlinhos Brown e Marisa Monte

Tláloc




A "Tú mujer": Lupita Ríos
A los amantes puros y ciegos;
para ellos que son la alegría,
antes de las puertas de sombra


Arturo Jiménez
Tradução: Luciana Onofre

Canto da pradaria
Frio da montanha
O Deus tresloucado e voraz
Água que cai
Severa e sobre-humana
Sobre a virgem úmida
Nua
Essa moça seria
Como as estrelas plenas
De sinais;
Seu corpo conta o segredo
Do instante em que as coisa tornam-se perfeitas

Fala a Deusa e o Deus
Pela nossa boca
Como falas-te na voz dos nossos ancestrais
Os venerareis Mestres
Quando puseste a Luz
a orientação
A cor, a harmonia em suas antigas bocas

Aqui trago o louro
O Cogumelo Sagrado para o Divino Batráquio de insolentes olhos
O da boca da Amanita
A olherosa Muscaria, aqui se anuncia
Apresenta-se o duplo Divino o Dionisio
O Hunanpú, o Ixbalam

O duas vezes morto
O duas vezes nascido
O Sapo das musicais águas
O Divino Tláloc
O de língua envenenada
Aqui a noite, o cardo
O Cogumelo de rubras cores
Aqui te clamo, te nomeio

Deusa e Deus
Sob a redonda luz do peyote iluminado
Da noite ancestral
A Noite dos séculos transmutados
Diante da esférica luz de um espelho
de Cantos insondáveis
Cantos de solidão e distancias
Escuta minha voz
Toca meu rosto com tua mão de noturna viajante
Senhora da voz inerte
A meio caminho entre o amor e a morte
Sou teu servo
O que canta na penumbra dos frios presságios
Pleno de parábolas
Um abutre harmoniza círculos nos desfiladeiros
Nos abismos dos cervos e pó
Onde bordas transparentes fantasiam contornos de homens
Nas espirais que caem como a morte no seu bico

Ou a granada aberta em sua garra
De um Deus que cai idades acumulando
Em um instante poliédrico de sensuais presídios
Do olho saturado em maravilhas do tato
Onde canta o Cogumelo giratório sua madressilva cinza

E o horizonte empurra os volantes orifícios
quando chega a serpente voadora com as esporas azuis
E o verde pássaro de harmonizado pólen sob a pulsação
delirante
Assim veio a doce besta cheia de sinais na pedra

Atirando os tuberosos na água do pó
Até que os signos se tornaram redemoinhos
E a ascensão da pedra levantou a palavra
Em um motim de plumas enlouquecidas
Sobre a virgem manhã
Assim cantam os peixes em harmonias esféricas

Na água que sussurra angustias e aromas de solidão,
Quando os girassóis acendem as cadencias da água
Nos esgares divinos do Sapo
E nas selvas azuis das cigarras talhando demências
Porque quando a terra repousa nos caminhos

Foge de par em par a velha garra
Como se um Deus líquido jorrara sangue dos
Sedimentos pétreos
A ponto de soltar na inocência da água
O vértigo da luz violenta
O aroma da cópula arcaica
Entre os braços amantes da água e da terra

Como a névoa, como suave voz
Como a orquídea perfumada pelo vento marinho,
Coberta de verdes plumas, azuis e amarelas,
Estava o Grande Senhor, a Grande Senhora;

De sábios era sua natureza.
De canteiros e talhadores,
De escultores
No tempo do tempo,
No ar dos aromas rupestres,
A ansiedade da luz,
O pólen trovador de iluminados beijos
De um sol enamorado
Litúrgico e brutal;

Oh! Doce moça de encantos solares
Irmã das insondáveis águas,
Hoje
Sob as musicais sombras do milho,
A Lua cresce como um presságio novo em tua cintura...
Mulher,
Mulher que vens dos profundos sons,
Um vento de pássaros azuis se levanta
Como uma coroa de plumas sobre tua cabeça,
Mulher de barro úmido e rubro
Não és o pó que girava sobre as distantes nuvens?
A água transparente por trás do relâmpago?

Antes que você chegasse
O ar estava oco como um cântaro de espumas
E miragens
E entre a névoa sem forma
Como um peixe cego, obscuro, te aguardava,
Quem era?
Quem sou?
Um cataclismo de Sombras,
Uma ansiedade sem nome...
Irmã das águas insondáveis e das gêmeas angustias
Irmã com assas de cera,
Cúmplice dos odores marinhos
Gêmea das assas luminosas nas sombras da noite ancestral
Senhora amanhecida de suaves luzes.
Luzes lentas amigas,
Inimiga do abraço mortal,
Cintura que se levanta no âmbar rude da meia-noite,
Da foice luminosa
Oh! Deusa do sorriso muda

Esta é minha voz
Esta é minha lira, meu atabaque sonoro
Meu violão de obstinados acordes
Minha voz, meu canto,
Minha dança calada no influxo
Átono da beleza...

Oh, rosto de tremores incertos
Dos cabelos arrepiados
Sob tua mão congelada e pura,
Dançarei suavemente em altas horas,
Ali onde começa a morte
Onde começa o amor
A música,
Até que a adaga da magia,
Tua voraz cintura de mênade
Amorosa e brutal,
O beijo prazeroso do louro silencioso
A Amanita de pálida neve
A língua do Divino Batráquio
A doce flor dos sonhos do deserto
Ate que a Serpente Emplumada me acorde

Com sua luz cálida e dourada
Da magia do Canto, do Amor e da Noite.