quinta-feira, abril 27, 2006

Soneto do Amor total


Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do
que pude.

(Vinícius de Moraes)

terça-feira, abril 25, 2006

Selene e Endímion.


Endímion foi um rei sagrado dos Etólios, que os conduziu da Tessália para Elida. Era filho de Zeus e da ninfa Cálice, herdando do pai a força e o poder de liderar homens e da mãe a beleza, sendo um dos mais belos personagens da mitologia grega.
Um dia, enquanto pastoreava os seus rebanhos, adormeceu numa colina e foi despertado pela luz da lua cheia, que havia se aproximado tanto que quase ele poderia tocá-la com sua mão. Maravilhado com a lindeza e perfeição da titânide Selene, ele passou a maldizer o destino humano. Imaginou-se com o rosto sulcado de rugas e o encanto do seu corpo viril arruinado por Cronos, perderia o volume e as carnes flácidas cairiam penduradas nos ossos. Como podia Selene, quase tão velha quanto o Tempo, se manter tão jovem e luminosa e permanecer no mundo enquanto o destino dos homens era se transformar em pó? Passou o resto da noite em claro, em sua admiração revoltada para com a lua que, como toda mulher, se fez ainda mais linda e cintilante para prender a sua atenção.
Este voltou com seu rebanho nas semanas seguintes e passava em claro suas noites observando o passeio diário que Selene fazia no céu, aparecendo inteira, reduzindo até que sumisse de vez , para novamente aparecer tímida num fio em forma de arco.
Meses se passaram e, longe de seu reino e família, Endímion já não queria voltar para sua casa. Os filhos já cresciam, podiam cuidar do seu reino, e sua mulher já não lhe despertava o fascínio de outrora e, mesmo sem perceber, passou a desejar a lua. Sabia exatamente em que ponto do horizonte ela apareceria em cada dia e com os olhos fixos, às vezes banhados em lágrimas, esperava por ela. Nutrindo esta paixão impossível, ele não percebia que afrontava os deuses com sua pretensão e a cada manhã amaldiçoava-os e a sua condição de humano. Ele era filho de Zeus, por todos os lugares que passava ouvia que era semelhante aos deuses por seu porte e beleza, porque então não era divino e imortal?
Selene, a Cintilante, era filha de Hipérion e Tia, e percorria o céu num carro de prata puxado por dois cavalos brancos. Na primeira noite que Endímion dormia ao relento com suas ovelhas, admirou-se com sua beleza e fez com que a noite parasse para poder se encantar com o belo rosto do homem que dormia. Lentamente aproximou-se dele fazendo com que a lua quase se encostasse a terra, e com seus alvos dedos de raios de luar acariciou o belo rosto fazendo com que o pastor despertasse.
Durante o período de enlevo de Endímion, Selene se fazia a cada dia mais linda, vestia-se de prata e branco, destacava seus olhos azuis-claros com sombras das cores do amanhecer para encantar ainda mais seu apaixonado. E como a distancia os separava, somente seus olhares se tocavam.
Como nada na terra escapa os olhos dos deuses, este romance e a indignação de Endímion com os deuses logo se tornaram assuntos, deixaram de ser comentários sussurrados para serem ditos em viva voz no Olimpio. Os deuses não admitiam que um mortal se comparasse a eles, e juntos foram a Zeus pedir uma punição às ousadias do rapaz, para que o pai dos deuses lançasse Nemésis e suas fúrias sobre ele.
Zeus, que amava seus filhos mortais, se esquivou do assunto, passando para Hera a incumbência de castigá-lo. Porém quando a deusa do céu fitou o rapaz nos olhos compreendeu sua revolta. O louro cabelo do Etólio, cortado à maneira de Teseu, curtos na frente para que não atrapalhassem a visão e longos até abaixo dos ombros na parte traseira, o nariz perfeito e a harmonia de suas feições encantaram a deusa, que imediatamente aceitou a causa do rapaz, afinal eram tantos os bastardos de Zeus que, porque este, o mais perfeito de todos, não teria o direito à imortalidade ?
Voltou ao Olimpo e conversou com Zeus, argumentando que este era seu filho, por que então condena-lo se sua reivindicação era justa? Se não tivesse nascido tão belo e forte, e não tivesse a revolta com a morte não seria filho de Zeus, por que culpá-lo se tudo que Endímion fazia era de sua natureza? Nada mais natural que ele, sendo filho de Zeus, fosse orgulhoso de sua linhagem.
Zeus rapidamente percebeu, enciumado, que o rei pastor encantara sua esposa como antes já havia encantado sua amante Selene, e que se ele não desse um basta, logo todas as deusas defenderiam sua causa. Com sua astúcia, vinda de Métis, Zeus decidiu-se, atenderia às reivindicações de seu filho, o tornaria imortal e o manteria jovem pela eternidade, mas para garantir a fidelidade de sua esposa, ele viveria eternamente mantendo sua beleza, dormindo. E desceu a terra para expor a Endímion seu castigo.
Hera porém conhecia muito bem seu esposo, e não confiava no seu julgamento. Conhecida como a que tem mil olhos e cujo animal é o pavão que traz em sua cauda os mil olhos bovinos de Hera, espreitou enquanto Zeus fazia a sua proposta ao moço. Protetora dos casamentos e dos romances conjugais, ela ficou penalizada com a decisão de Zeus. O romance de Endímion e Selene nunca se realizaria se ela não agisse rápido.
Vestida com as cores do Céu, desceu novamente à terra e de lá ao Hades, na terra dos Cimérios, adentrou no sonolento palácio de Hipno, o filho da Noite e de Érebo, e entre espíritos adormecidos, conversou com o irmão de Tânato. Pediu-lhe que não desobedecesse ao Rei dos deuses, e cumprisse exatamente o que lhe foi pedido, porém deveria acrescentar duas coisas, que Endímion dormisse com os olhos abertos para que pudesse ver Selene e que seus sonhos sempre fossem o que ele imaginava durante o período que passou apaixonado pela Titânida. Com isto, Hipno não desagradaria a Zeus e também agradaria a Senhora dos Céus, e assim foi feito.
Conformado com sua sina, Endímion deitou-se no morro onde pela primeira vez sentiu a presença de Selene, e adormeceu com os olhos abertos e voltados para o céu. E logo ao anoitecer Selene veio vê-lo, compungida pelo castigo infligido ao seu amado e enternecida acariciou sua face, e neste momento os olhos dele a fitaram, e no seu sonho ele murmurava palavras de amor a ela. Percorrendo o corpo do amado com seus argênteos dedos, percebeu que ele reagia aos seus estímulos e penetrou nos seus sonhos.
Longe do mundo real, onde a distancia os separavam, eles se amavam nos sonhos e a cada nova noite Selene deixava que seus cavalos, a tanto treinados em percorrer o céu noturno, levassem seu carro luminoso e, se despindo suas roupas de luz, se deitava junto com o amante e penetrava nos seus sonhos. O corpo dele, reagindo aos estímulos, ficava pronto para o amor e os dois se amavam tanto no onírico quanto na realidade. Deste amor nasceram as 50 filhas da Lua e, das filhas desta, os sonhos femininos das que amam à distancia os amores impossíveis e os concretizam, ainda que de forma onírica.
Até hoje quando vemos uma lua esplendorosa e radiante no céu nos lembramos que, em algum canto da Grécia, um rapaz que dorme com olhos abertos a fita e sonha, é para ele que Selene se faz tão bonita

quinta-feira, abril 20, 2006

Aos Nefelibatas como Eu e Você.




Que palavra linda !!! Muitas vezes eu e a Deusa, ficamos falando de palavras e sons que gostamos, palavras sonoras como o nome do blog dela Água Potável, que soa maravilhosamente A-gu-a Pó-tá-vel, ou Sibilante, que nos lembra uma cobra esguia, ou o vento passado pelas arvores ou entre as pedras como na cova da Sibila de Cunas, e tantas outras como Libidinoso, Lúbrico e etc...
Como podemos dizer também o estado em que vivemos eu e ela nestes últimos meses em apenas uma palavra, felizes e apaixonados é muito pouco, estamos além disso. E do nada apareceu uma visitante aqui no blog, que por um acaso também adora Madredeus e me convidou para visitar o blog dela, que é outro labirinto pessoal, e nele estava a palavra que precisávamos, antiga e esquecida neste tempo de frases curtas e de lideres mundiais medíocres, nos dando a impressão que a inteligência abandonou o planeta.

Pois bem, lá vi a palavra que faltava para definir o estado que vivemos: somos nefelibatas, “do Grego nephéle, nuvem + bates, que anda”, ou seja vivemos nas nuvens, andamos flutuando no céu e acreditamos no amor. Não naquele amor ideal, que os incompetentes na arte de amar esperam que aconteça para eles: que uma alma gêmea caia do céu no colo deles. Mas sim o amor sofrido de superar as diferenças, de batalhar dia a dia para encaixar peças de um quebra-cabeça maluco onde aparentemente nada encaixa em nada. Mas, percebendo as sutilezas e as nuances de cada uma das peças, que cada um de nós dois com vidas pregressas completamente diferentes traz. Um amor de conhecer, compreender e aceitar as diferenças. Amor de mudar a vida, não por nenhuma exigência, mas por acreditar que a mudança fará bem ao casal, Amor que dói a cada segunda feira, depois do fim de semana juntos, separados pelo trabalho.
Andamos nas nuvens, muito acima dos mortais e mais próximos dos deuses, como nos diz Pessoa, travestido em Ricardo Reis, “Os deuses são deuses Porque não se pensam”, e juntos não nos pensamos, vivemos em um Olimpo só nosso; em que estamos no eixo da roda da fortuna, e a vida real gira em torno de nós dois. Embora o mundo esteja burro, o trabalho escasso e o dinheiro curto, isto no máximo nos preocupa, sem interferir no que sentimos quando estamos perto ou quando nossos lábios se colam em intermináveis beijos.

História longa que começou há 5 anos com uma troca de olhares, e depois de 3 anos de desventuras, nos reencontramos em uma noite de abril, que passou com dois cafés e um suco e beijos intermináveis e nos assustamos com o amanhecer, pois 8:00h se passaram num átimo de segundo, e prosseguiram no dia seguinte e nos 717 dias que estamos juntos.

É claro que foi difícil, tivemos maus dias, momentos horríveis, mas a cada dia que passou resgatamos nós mesmos, pouco a pouco, afloramos o que realmente éramos. Morreu um pouco do que a vida nos havia transformado, resgatamos nossa essência, nossos sonhos e muitos dos esqueletos que guardávamos trancados nos escuros armários da mente e nos mostramos inteiros, hoje somos quem sempre quisemos ser, humanos e apaixonados. Diferentes, afinal quem apostaria num romance de um Dragão com uma Deusa ? Apenas nós que somos nefelibatas e comemoramos nesta semana dois anos juntos.
Obrigado por tudo isto Deusa, por me devolver minha vida, ressuscitar muito do que tinha morrido em mim e tudo que eu largara pelo caminho. Eu tinha muita saudade de mim mesmo, você me trouxe de volta.
Parabéns para nos dois, e muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiitos anos de vida para o que sentimos.


Ps. Ana Paula, obrigado por me lembrar a palavra e pelo seu Post Triste, que me inspirou a escrever este para responder a sua pergunta. A resposta é sim, ainda existem pessoas que não tem medo de se apaixonar e isto você pode ver nos outros labirintos pessoais que são os meus links, aonde vou linkar o seu Refúgio dos Infelizes, na esperança que você não perca a fé no Amor, que é o sentimento que nos aproxima dos deuses, mas... Que dá um trabalho insano.

Para Viver Um Grande Amor
Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! É de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o “velho amigo”, que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer “baixo” seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

Texto extraído do livro “Para Viver Um Grande Amor”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

sexta-feira, abril 07, 2006

Coisas Pequenas




Coisas pequenas são
coisas pequenas
são tudo o que eu te quero dar
e estas palavras são
coisas pequenas
que dizem que eu te quero amar.

Amar, amar, amar
só vale a pena
se tu quiseres confirmar
que um grande amor não é
coisa pequena
que nada é maior que amar.

E a hora
que te espreita
é só tua.
Decerto, não será
só a que resta;
a hora
que esperei a vida toda,
é esta.

E a hora
que te espreita
é derradeira.
Decerto já bateu
à tua porta.
A hora
que esperaste a vida inteira,
é agora
(Pedro Ayres Magalhães-Madredeus)

terça-feira, abril 04, 2006

No Outono




No outono colhemos os frutos do que plantamos, e este será o terceiro outono que colhi a mais saboroso dos frutos perigosos e proibidos. Creio que já na primeira mordida num abril passado, finalmente apreendi porque o amor é tão proibido, porque com ele tudo podemos, narcótico, entorpecente ele nos faz perder o sentido das coisas e ver o mundo de maneira inusitada. Ficamos amortecidos para as dores do mundo e se alguma coisa dói é a falta da pessoa amada.
O amor é proibido e castrado por quase todas as religiões, afinal quando amamos nos tornamos mais próximo dos deuses e o nosso credo é a paixão, nos entregamos ao ser amado e ao nosso destino sem duvidas ou medos, acreditamos na imortalidade da alma, pois uma vida é muito pouco tempo, quando amamos de verdade percebemos o valor da eternidade, porque depois que comemos este fruto nos sentimos realmente plenos e integrados ao universo.
Lisérgico e alucinógeno pois por mais que a nossa volta as paredes ruem envoltas em escuridão e névoa, conseguimos enxergar cores inusitadas e raras, deixando que todos os males escapem da caixa de Pandora e agarramos com força a esperança e ficamos com a esperança que podemos reconstruir tudo, que as nevoas se dissiparão e o sol voltará a brilhar. Como loucos nos agarramos a esperança, a ultima das dádivas de Zeus aos humanos, e por nossa fé e crença investimos contra os moinhos de vento até que todos os males se esvaeçam a vida retome seu curso.
Mais do que a primavera onde a natureza explode em flores e vida o outono é a recompensa pelo trabalho e a colheita do que plantamos, dos frutos que sonhamos e que tanto lançamos sementes, que muitas vezes pareceram vingar, mas que no entanto não frutificaram e feneceram a cada outono embora tivessem prometido tanto nas primaveras.
O amor colhido no outono não é temporão, mas sim o fruto colhido em seu esplendor de cor e sabor, que chega no tempo certo sem falsos fertilizantes ou implementos tóxicos, que contaminam e envenenam. Estes amores maduros colhidos no tempo certo, são a promessa de todos os que experimentam antes do tempo e que nunca nos satisfizeram. São a recompensa dos deuses, para quem perseverou no plantio e na escolha das sementes e que nunca perdeu a fé em Vênus e no seu filho Eros.
Os amores do Outono, estes sumarentos e doces frutos, trazem as lembranças da adolescência, de sítios bucólicos e frutas colhidas no pé, com sabor inesquecível como as goiabas da juventude, já que as de hoje. maiores e até mesmo mais bonitas, só trazem o enganador aroma de goiaba, porém insípidos, sonsos, sem sabor ou consistência da fruta verdadeira. Este gosto de infância e de regalo nos faz ter prazer em viver e nos rejuvenesce tanto que “venho até remoçando me pego cantando sem mais nem porquê”



Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama
E eu que era triste
Descrente desse mundo
Ao encontrar você
Eu conheci o que é felicidade
Meu amor
(Antônio Carlos Jobim)