quarta-feira, agosto 24, 2005

Inúteis Sonhos



Existem pessoas que não percebem os tempos verbais, vivem relendo cartas, escritos, dedicatórias e antigas mensagens como se a tinta ainda estivesse molhada e fresca sobre o papel que embora amarelado pelo tempo, continua pelos olhos de quem vê imaculadamente branco e liso, mesmo que amarrotado.

Estes que assim agem ignoram o tempo, não percebem que as dores que causaram, e que sofreram é claro minaram o que existia de bom em tudo que foi escrito. Não percebem, que o tempo curou muitas feridas e que outras que ainda sangram perderam o sentido em sangrar e se não cicatrizam é porque precisam ficar na memória para que os enganos ocorram novamente, o que é no fundo instinto de sobrevivência.

O passado é algo que não existe mais e é impossível resgatar um sentimento perdido, amores do passado, são apenas lembranças boas e más, que nos ensinam para o futuro, apenas isto. A arqueologia amorosa resgata apenas lembranças e histórias, como a arqueologia, não revive civilizações nem pessoas, apenas registra.

Estas pessoas que vivem no amor passado, agem como quem carrega um feto morto no ventre, porque esperam um milagre e temem nunca mais engravidar; apodrecem e morrem para a vida, caminham pelo mundo sem alma arrastando correntes e penas que nunca existiram.

Às vezes lamento por pessoas assim, que tem um mundo a descobrir e vivem numa escura e fechada tumba, não olhando nem para si nem os que a rodeia, gastando toda potencialidade do amor com o passado e se negando ao amor presente e real pelos que a rodeiam.

Voam e sonham com o passado, criam fantasias e fogem da vida. Ao invés de abrir as janelas e deixar que o vento renova as energias e miasmas e que o tempo cure todos os males.

Vivem como viveu Enone, percorrendo todos os dias as encostas do monte Ida, lendo seu nome enlaçado por um coração ao nome de Paris, que este escreveu por quase todas as arvores da região, mas que agora vivia no palácio real de Tróia, junto a Helena o seu novo amor. Enquanto Enone se remoía de ódio, buscando com as feiticeiras da Tesalia, os feitiços para apressar o fim de Tróia e que a flecha de Filoctetes, trouxesse Paris de volta.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Construindo um amor



Há anos que eu digo que não acredito em almas gêmeas ou amores a primeira vista, Não posso acreditar em alma gêmea, pois isto seria uma visão fatalista pois o seu sucesso amoroso iria depender da sorte de encontrar sua alma gêmea, ou do destino (algo fatalista) de te levar ao encontro de sua única possibilidade de amor durante uma existência com centenas ou milhares de vida.

Já o caso da primeira vista acredito (inclusive vivi muitas) em paixões a primeira vista, que podem, se houver investimento, se transformar em amor e porque não, num grande amor.

Eu sempre disse, e quem lê o que escrevo há mais tempo deve lembrar, que eu defendia (e continuo defendendo) a tese de que o amor é algo que se constrói devagar, com empenho e paciência.

A paixão é um sinalizador de potencialidade e possibilidade de amor. Coração disparado, falta de fome e vontade de entrar em forma, ginástica, malhação, cuidados com os cabelos, e às vezes até unhas feitas em manicura. Bobeiras, risos a toa nos congestionamentos, rapidamente interrompidos quando percebe que a senhora do carro ao lado te olha como com cara de espanto.

A paixão é algo tão bom, que gostaríamos que estas sensações fossem eternas e de certa forma achamos que amor é isto, afinal é tão bom estar apaixonado que acreditamos que paixão é amor, e quem sabe por isto esquecemos ou nem sequer aprendemos o que é amor.

Amor é muito mais que estar apaixonado, por isto que é muito mais difícil amar, que se apaixonar. Amor de certa forma é confiar tanto, que entregamos nossa vida ao outro e em contrapartida recebemos a vida do parceiro para cuidar.
E creio que vocês concordam comigo, ter uma confiança destas, não é coisa que se consegue do dia pra noite, cofiar a ponto de se deixar cair de costas e saber que alguém sempre estará lá pronto para te segurar, ainda que seja centímetros antes de se arrebentar no chão.

Amar é um exercício diário de se entregar ao outro, ainda que não falemos, amar é também cuidar do amor, independente de falarmos ou não eu te amo, devemos entender o amado e se possível sempre dar credito a quem amamos, afinal amor é algo de mão dupla e só amamos verdadeiramente quando somos amados na mesma intensidade. Quando existe uma disparidade entre o amor de um para o outro, possivelmente deixamos de falar em amor e começamos a imaginar algum distúrbio de personalidade, afinal amar sem ser amado é doença. E Amar é para ser feliz, sem felicidade não existe amor.


Para Viver um Grande Amor

Para viver um grande amor,
Preciso é muita concentração e muito siso,
Muita seriedade e pouco riso
- Para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser
Um homem de uma só mulher;
Pois de muitas, poxa!
É de colher...
- Não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor,
Primeiro é preciso
Sagrar-se cavalheiro
E ser de sua dama por inteiro
- Seja lá como for.
Há que fazer do corpo uma morada
Onde clausure-se a mulher amada
E postar-se de fora com uma espada
- Para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo,
É preciso atenção como o "velho amigo ",
Que porque é só vós quer sempre
Consigo para iludir o grande amor.
É preciso muitíssimo cuidado
Com quem quer que não
Esteja muito apaixonado,
Pois quem não está,
Está sempre preparado
Pra chatear o grande amor.
Para viver um grande amor, na realidade,
Há que compenetrar-se da verdade de que
Não existe amor sem fidelidade
- Para viver um grande amor.
Pois quem trai seu amor por uma vaidade
É desconhecedor da liberdade,
Dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, "il faut ", além de ser fiel,
Ser bem conhecedor de arte culinária e judô
- Para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito,
Não basta ser apenas um bom sujeito;
É preciso também ter muito peito
- Peito de remador.
É preciso olhar sempre a bem-amada
Como a sua primeira namorada e
Sua viúva também,
Amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista
Um crédito de rosas na florista
- Muito mais, muito mais que na modista!
- Para aprazer o grande amor.
Pois do que o grande amor quer saber
Mesmo, é de amor, é de amor,
De amor a esmo; depois, um tutuzinho
Com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos,
Camarões, sopinhas, molhos, estrogonofes
- Comidinhas para depois do amor.
E o que há de melhor que ir pra cozinha
E preparar com amor uma galinha
Com uma rica e gostosa farofinha,
Para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito,
Muito importante viver sempre junto
E até ser, se possível, um só defunto
- Pra não morrer de amor.
É preciso um cuidado permanente
Não só com o corpo mas também com a mente,
Pois qualquer "baixo" seu, a amada sente
- E esfria um pouco o amor.
Há que ser bem cortês sem cortesia;
Doce e conciliador sem covardia;
Saber ganhar dinheiro com poesia
- Para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque
(com mau bebedor nunca se arrisque! )
E ser impermeável ao diz-que-diz-que
- Que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada,
Se nesta "selva obscura" e desvairada
Não se souber achar a bem-amada
- Para viver um grande amor.

*Vinicius de Moraes*