sábado, dezembro 23, 2006

A Deusa Dança



No passe tauromáquico, assim como no coito, há um movi­mento rumo á plenitude (aproximação do touro), seguido de um paroxismo (o touro precipitando‑se sobre a capa, roçando com seus chifres o ventre do homem de pés cravados); por fim, a separação dos dois atores, a divergência após o íntimo conta­to, a queda, a dilaceração. Quando, o touro respondendo bem e o homem sabendo trabalhá‑lo, um e outro se envolvem no labi­rinto móvel da série de passes contínuos (no curso da qual os dois adversários, não se deixando senão para imediatamente se reconfrontar, aparecem mais e mais cingidos um ao outro), cria­se uma vertigem que lembra de perto a vertigem erótica. Co­mo antes da crise final do ato amoroso, ficamos todos em sus­penso, na angústia de que tudo termine, no êxtase maravilhado de que tudo continue. A repetição, assim como nos gestos do coito, multiplica a cada vez a ebriedade: a cada momento, fica­mos um pouco mais ébrios de sentir que o prazer pôde ainda ir além do ápice de um segundo atrás. Como na vertigem material ‑ que pode ser angustiante ou deliciosa, como nos sonhos em que voamos, temos a sensação de estar em perigo: uma tal seqüência de acidentes provocados e evitados por um triz não po­derá prolongar‑se por muito tempo... ( Espelho da Taurimaquia - Michel Leiris - Cosac e Naify).

Isto se repete no Flamenco, a tensão, o momento de suspense em que a dureza dos gestos se mistura com a suavidade das mãos, como se o bandarilheiro ao invés do cruel arpão na ponta da enfeitada bandarilha levasse uma pomba em cada uma das mãos, mas o momento mantém a magia ancestral da luta do homem contra a fera, o Miura que existe em cada um de nós.
O controle e os passes são mantidos, a dureza do olhar fixo, a precisão milimétrica e o ritmo marcado pelos tacones mantêm o clima marcial e guerreiro do humano em luta contra uma força superior a sua, que representa a nossa luta contra nossa fera interior.
A contração do corpo e a força utilizada não são apenas uma dança é quase religião onde se perde o limite entre o sagrado e o profano, e assim como na Plaza de Toros, onde o homem domina a fúria da natureza se tornando deus, no flamenco a dançarina se torna deusa e o som de seus tacones é como se fosse o coração da terra acelerado e descompassado que repete o ritmo do coração da platéia que dispara ao ver a divindade que existe em toda mulher.
Mulher e deusa, sagrada e profana nos encanta e assusta com nossa incompreensão da Deusa Mãe, que nos dá vida e nos acaricia com suas mãos de leve brisa e asas de pomba, mas que pode nos esmagar com um terremoto causado por salto e ponta num sapateado frenético.



DONA
Guttemberg Guarabyra /Luis Carlos Sá

Dona desses traiçoeiros
sonhos sempre verdadeiros
dona desses animaisdo
na dos teus ideais
Pelas ruas onde andas,
onde mandas todos nós
somos sempre mensageiros
esperando tua voz
teus desejos uma ordem:
nada é nunca, nunca é não
porque tens essa certeza dentro do teu coração
Tã, tã, tã, batem na porta,
não precisa ver quem é
pra sentir a impaciência do teu pulso de mulher
um olhar me atira à cama,
um beijo me faz amar
não levanto,
não me escondo porque sei que és minha
dona...
Dona desses traiçoeiros
sonhos sempre verdadeiros
dona desses animais
dona dos teus ideais
Não há pedra em teu caminho,
não há ondas no teu mar
não há vento ou tempestade que te impeçam de voar
entre a cobra e o passarinho, entre a pomba e o gavião
ou teu ódio ou teu carinho nos carregam pela mão
É a moça da cantiga, a mulher da criação
umas vezes nossa amiga,
outras nossa perdição
o poder que nos levanta,
a força que nos faz cair
qual de nós inda não sabe que isso tudo te faz
dona.

quinta-feira, novembro 23, 2006

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ.



I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III
A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?

IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante

Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.

Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana

Não essa que te louva

A cada verso
Mas outra

Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente

E porisso talvez
Te aborreças de mim.
(...)

Hilda Hilst

[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]
[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]

segunda-feira, novembro 20, 2006

Voltando


Faltam apenas longos segundos para que você chegue, nem adianta lhe dizer o que passei no sitio sem você afinal lá é o nosso lugar, nossa terra.
O que é a Terra sem uma rainha, um rei sem Rainha é um rei sem terra sem chão, uma espada desembainhada que só pensa em guerras, fúria e morte.
Até mesmo o mais poderoso dos reis, precisa de sua rainha, sua calma sua paz e a bainha onde repousa sua espada, é o tempo sem guerras, é a paz. O aço frio e cortante é guardado e o ardor e a chama da batalha acontece em outro terreno, outro território.
Marte fica perdido entre campos de corpos despedaçados, onde o cheiro da putrefação e a presença das aves carniceiras que fazem da desolação, banquete. E assim se sente um rei sem rainha, como um dragão que olha tudo em volta e não encontra sua donzela, sua deusa.
Porem de volta ao palácio, ele se esquece de marte, se esquece das batalhas sangrentas e dos gemidos de dor, quando ele guarda a espada na bainha, nem mais é ele quem reina, mas sim Vênus, que chama para uma guerra sem armas, sem mortos ou feridos, chama para uma batalha num leito de flores, uma batalha que afasta a morte e traz a vida com toda a sua intensidade.
Sua volta, apesar pelas contas dos homens se passarem apenas sete dias da sua partida, para mim foi um ciclo completo do inverno e do caminho que leva ao submundo. E agora sindo que até mesmo o mundo retorna ao seu ritmo e voltamos a Primavera.
Te quero demais minha querida.



Depois de Chico na Ida, só mesmo Chico na volta.


O meu amor

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo Fosse a sua casa
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

terça-feira, novembro 14, 2006

Você viajou...



Voltar pra casa, ver a cama desarrumada e deixar tudo
do mesmo jeito. Quem sabe assim o tempo pare?
E nada mais aconteça até que você volte.
E na próxima vez que eu entre no nosso Ninho
(pois é bem isto que hoje ele parece)desarrumado com lençóis e edredom revirados,
restos de roupas que não couberam na mala,
espalhados pelo quarto
eu encontre ele arrumado, sinal que você voltou antes.
Logo que cheguei corri e abri seu armário,
suas roupas ainda estavam lá, seus livros nas estantes,
contas na escrivaninha, ( bom é só uma viagem)
um bilhete grudado na tela do computador outro na televisão
(acho que o limpavidros tira a cola), que logo colei nos anjos de Raphael,
que ficam sobre nossa cama sempre fingindo não ver nada o que ocorre no leito
Tudo bem é apenas uma semana, só sete dias ou apenas 159 horas.
Que são afinal 9.540 minutos senão uma miserável quantia de segundos,
somente 572.400 deles.
Porém, em cada um destes segundos
vou estar sentindo a sua falta, pensando em você
Catso!
São sete dias!
E ainda nem começaram.
acho que devo agüentar
Mas as seis noites serão bem piores, Terríveis
Vou passar todas elas te procurando na cama,
vou sentir falta do seu cheiro e calor.
Que saco!
Bem, mas fica combinado o seguinte:
Só esta vez ...
Depois nunca mais você me deixa sozinho tá?

Deixa eu dizer que te amo
Deixa eu pensar em você
Isso me acalma
me acolhe a alma
Isso me ajuda a viver
Hoje contei pra as paredes
Coisas do meu coração
Passei no tempo
Caminhei nas horas
Mais do que passo a paixão
É um espelho sem razão
Quer amor fique aqui
Deixa eu dizer que te amo
Deixa eu gostar de você
Isso me acalma
me acolhe a alma
Isso me ajuda a viver
Hoje contei pra as paredes
Coisas do meu coração
Passei no tempo
Caminhei nas horas
Mais do que passo a paixão
É um espelho sem razão
Quer amor fique aqui
Meu peito agora dispara
Vivo em constante alegria
É o amor que está aqui
Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you"
- Tinha suspiradoTinha beijado o papel indevotamente
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido
Sentia um acréscimo do estímulo por si mesma
E parecia-lhe que entrava enfim uma existência superiormente interessante
Onde cada hora tinha o seu intuito diferente
Cada passo conduzia um êxtase
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.
"Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you
Amor I love you
Carlinhos Brown e Marisa Monte

Tláloc




A "Tú mujer": Lupita Ríos
A los amantes puros y ciegos;
para ellos que son la alegría,
antes de las puertas de sombra


Arturo Jiménez
Tradução: Luciana Onofre

Canto da pradaria
Frio da montanha
O Deus tresloucado e voraz
Água que cai
Severa e sobre-humana
Sobre a virgem úmida
Nua
Essa moça seria
Como as estrelas plenas
De sinais;
Seu corpo conta o segredo
Do instante em que as coisa tornam-se perfeitas

Fala a Deusa e o Deus
Pela nossa boca
Como falas-te na voz dos nossos ancestrais
Os venerareis Mestres
Quando puseste a Luz
a orientação
A cor, a harmonia em suas antigas bocas

Aqui trago o louro
O Cogumelo Sagrado para o Divino Batráquio de insolentes olhos
O da boca da Amanita
A olherosa Muscaria, aqui se anuncia
Apresenta-se o duplo Divino o Dionisio
O Hunanpú, o Ixbalam

O duas vezes morto
O duas vezes nascido
O Sapo das musicais águas
O Divino Tláloc
O de língua envenenada
Aqui a noite, o cardo
O Cogumelo de rubras cores
Aqui te clamo, te nomeio

Deusa e Deus
Sob a redonda luz do peyote iluminado
Da noite ancestral
A Noite dos séculos transmutados
Diante da esférica luz de um espelho
de Cantos insondáveis
Cantos de solidão e distancias
Escuta minha voz
Toca meu rosto com tua mão de noturna viajante
Senhora da voz inerte
A meio caminho entre o amor e a morte
Sou teu servo
O que canta na penumbra dos frios presságios
Pleno de parábolas
Um abutre harmoniza círculos nos desfiladeiros
Nos abismos dos cervos e pó
Onde bordas transparentes fantasiam contornos de homens
Nas espirais que caem como a morte no seu bico

Ou a granada aberta em sua garra
De um Deus que cai idades acumulando
Em um instante poliédrico de sensuais presídios
Do olho saturado em maravilhas do tato
Onde canta o Cogumelo giratório sua madressilva cinza

E o horizonte empurra os volantes orifícios
quando chega a serpente voadora com as esporas azuis
E o verde pássaro de harmonizado pólen sob a pulsação
delirante
Assim veio a doce besta cheia de sinais na pedra

Atirando os tuberosos na água do pó
Até que os signos se tornaram redemoinhos
E a ascensão da pedra levantou a palavra
Em um motim de plumas enlouquecidas
Sobre a virgem manhã
Assim cantam os peixes em harmonias esféricas

Na água que sussurra angustias e aromas de solidão,
Quando os girassóis acendem as cadencias da água
Nos esgares divinos do Sapo
E nas selvas azuis das cigarras talhando demências
Porque quando a terra repousa nos caminhos

Foge de par em par a velha garra
Como se um Deus líquido jorrara sangue dos
Sedimentos pétreos
A ponto de soltar na inocência da água
O vértigo da luz violenta
O aroma da cópula arcaica
Entre os braços amantes da água e da terra

Como a névoa, como suave voz
Como a orquídea perfumada pelo vento marinho,
Coberta de verdes plumas, azuis e amarelas,
Estava o Grande Senhor, a Grande Senhora;

De sábios era sua natureza.
De canteiros e talhadores,
De escultores
No tempo do tempo,
No ar dos aromas rupestres,
A ansiedade da luz,
O pólen trovador de iluminados beijos
De um sol enamorado
Litúrgico e brutal;

Oh! Doce moça de encantos solares
Irmã das insondáveis águas,
Hoje
Sob as musicais sombras do milho,
A Lua cresce como um presságio novo em tua cintura...
Mulher,
Mulher que vens dos profundos sons,
Um vento de pássaros azuis se levanta
Como uma coroa de plumas sobre tua cabeça,
Mulher de barro úmido e rubro
Não és o pó que girava sobre as distantes nuvens?
A água transparente por trás do relâmpago?

Antes que você chegasse
O ar estava oco como um cântaro de espumas
E miragens
E entre a névoa sem forma
Como um peixe cego, obscuro, te aguardava,
Quem era?
Quem sou?
Um cataclismo de Sombras,
Uma ansiedade sem nome...
Irmã das águas insondáveis e das gêmeas angustias
Irmã com assas de cera,
Cúmplice dos odores marinhos
Gêmea das assas luminosas nas sombras da noite ancestral
Senhora amanhecida de suaves luzes.
Luzes lentas amigas,
Inimiga do abraço mortal,
Cintura que se levanta no âmbar rude da meia-noite,
Da foice luminosa
Oh! Deusa do sorriso muda

Esta é minha voz
Esta é minha lira, meu atabaque sonoro
Meu violão de obstinados acordes
Minha voz, meu canto,
Minha dança calada no influxo
Átono da beleza...

Oh, rosto de tremores incertos
Dos cabelos arrepiados
Sob tua mão congelada e pura,
Dançarei suavemente em altas horas,
Ali onde começa a morte
Onde começa o amor
A música,
Até que a adaga da magia,
Tua voraz cintura de mênade
Amorosa e brutal,
O beijo prazeroso do louro silencioso
A Amanita de pálida neve
A língua do Divino Batráquio
A doce flor dos sonhos do deserto
Ate que a Serpente Emplumada me acorde

Com sua luz cálida e dourada
Da magia do Canto, do Amor e da Noite.

domingo, outubro 29, 2006

Que mito isto daria !


Alceste e Admeto

Ultimamente tenho comparando os mitos com fatos cotidianos que vejo impressos nas paginas de jornais diários achei e já publiquei por aqui Antígona, Medeia e comparei a situação política que vivemos com um período da Roma antiga e o discurso de Cícero contra Catilina. Esse exercício me faz acreditar cada vez mais que os antigos deuses ainda vivem e nós nos negamos a perceber isto, pois por nossa mente foi condicionada para não ver, nem ouvir nada além da racionalidade imposta pela filosofia e a religião.

Lemos mitos e contos, como uma forma de nos dar um consolo, pois vemos histórias de amores impossíveis, heróis invencíveis e de ideais que revolucionaram o mundo, não para seguir seus exemplos, mas sim para dar ao nosso cérebro a porção de fantasia que ele precisa para encarar a realidade de nosso dia a dia. Não ousamos viver os nossos ideais, não vivemos a eternidade do amor nem acreditamos nos deuses que falam diretamente nas nossas conciencias. Sonhamos e ao acordar as imagens dos sonhos se esvanescem, nos apaixonamos, mas temos tanto medo do amor que logo acorrentamos a paixão e a sufocamos com racionalidades.

Poderia falar horas sobre isto, porém, quero falar de mais uma noticia no jornal, no estadão de ontem vi esta foto aí em cima com um artigo de Jose Sousa Martins – Professor Titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. Neste artigo ele falava de um Tumulo esculpido por Alfredo Oliane que está localizado no Cemitério São Paulo onde descansa o casal Antônio e Maria Cantanella. Encomendada por Maria esta estatua ao contrario do que parece a primeira vista, não representa Antonio atormentado pela morte de sua esposa. Alfredo Oliane, o escultor fez uma das mais belas e comoventes representações do amor carnal e da dor separação. Nela se vê um homem atlético reclinado apaixonadamente beijando uma mulher morta.

Mas como ocorre muitas vezes a realidade é diferente da representação, quando foi concluída a estatua representava algo semelhante à lenda de Alceste e Admeto, onde a esposa Alceste entrega sua vida para que o seu marido Admeto, o Rei das Feras e amante de Apolo, viva o tempo que ela ainda teria de vida.

Maria pediu ao escultor que representasse o seu marido vivo e no vigor de suas forças e plenitude física e ela morta, pois é assim que ela se sentia. Para ela o falecimento de Antonio foi sua própria morte e o restante dos quarenta anos (ela era mais nova que ele) que ela ainda viveria seriam para manter viva a imagem e a lembrança do seu amado esposo, mantendo ele vivo, ela morria para o mundo.

A força desta escultura e das palavras que podem ser lidas, nos epitáfios de ambos, celebra um amor que nem mesmo a morte conseguiu destruir, Ele vivo e sexualmente potente dentro dela da sua alma ainda que morto e ela desejada ainda que morta, mas viva. Um amor que vai alem das fronteiras da vida e da morte, um amor que continua vivo mesmo depois da morte de ambos pois todos que se lembram da história sentem inveja de não ter um amor assim, ou se envergonham de não terem coragem de amar desta maneira.

Como disse antes, nos encantamos com mitos e histórias de grandes amores, mas fugimos aterrorizados diante das paixões impossíveis, com medo da dor da perda, muito antes da perda realmente acontecer.

Maria gravou na pedra sua declaração de amor a Antonio, para que suas palavras pendurassem no tempo e não fossem esquecidas pelos que ali passassem:

“Ó Nino, meu eterno esposo, meu guia e motivo eterno da minha saudade e de meu pranto.Tributo de Maria”

Quando do falecimento de Maria os familiares gravaram o seu testemunho:

“Aqui repousa Maria Cantarella ao lado de seu inseparável e amado esposo”

Tantos buscam lendas, falam dos túmulos míticos de Tristão e Isolda, fazem juras de amor como Romeu e Julieta, mas não sabem que se entrarem pelo portão lateral do Cemitério São Paulo na Rua Cardeal Arcoverde poderão por rosas vermelhas num tumulo real de pessoas reais que viveram nesta cidade e nos deixaram um legado de amor e de eternidade.


Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

Futuros amantes Chico Buarque/1993


Bem... se preferirem temas mais mitológicos, no Cemitério da Consolação existe uma escultura de Nicolau Rollo representando Orfeu e Eurídice.

Noite dos mascarados




Quem é você, adivinha se gosta de mim
Hoje os dois mascarados procuram os seus namorados perguntando assim
Quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo
Que eu quero morrer no seu bloco, que eu quero me arder no seu fogo
Eu sou seresteiro, poeta e cantor
O meu tempo inteiro só zombo do amor
Eu tenho um pandeiro, só quero um violão
Eu nado em dinheiro, não tenho um tostão
Fui porta-estandarte, não sei mais dançar
Eu, modéstia à parte, nasci prá sambar
Eu sou tão menina, meu tempo passou
Eu sou colombina, eu sou pierrô

Chico - Noite dos mascarados

quarta-feira, outubro 18, 2006

Desabafo Dionisíaco



Poucos sabem ou compreendem o porque das palavras, que muitas vezes perdem os seus sentidos originais e viajam pela egolatria dos humanos e se transformam em algo que nunca foram.
Palavras são signos, sinais que desesperadamente precisamos compreender, para que possamos realmente conhecer a nós mesmos.
Gênio tem a mesma raiz de Genitalis (o que gera, fecunda) no sentido de Lectus genialis, o leito onde seriam gerados os filhos. Depois, Genialis passou a ser aquele que sacrifica ao seu Gênio, sendo então aquele que se diverte, o alegre, o festivo.Portanto Genial não é aquele “nerd” enfiado em elucubrações e experimentos em busca de um prêmio Nobel. Genial é aquele que vive e deixa sua mente livre para ter novas idéias, o que gera as novidades espontaneamente e que se diverte com isto, com ter idéias únicas, genuínas.
Porém quando influenciados pelos gregos que filosofavam e que faziam questão de afirmar que pensar dava trabalho, que era um ato de poucos e que o genial só poderia vir da lógica, não apenas mataram o gênio, como também acabaram com a poesia e o impulso da arte, pois tanto o poema quanto a obra de arte necessitaram então da métrica e da lógica. Mataram o sonho, a criatividade e todas as coisas que eram geradas em momentos oníricos.
O mundo perdeu a graça e a fantasia, os Deuses que habitavam a Terra se entediaram com a chatice humana, e nem entravam mais no sono dos humanos, pois este sonho iria ser analisado e interpretado por sacerdotes cheios de regras e normas que inseriam lógica no que nascia livremente e com isto amordaçaram aos deuses que não mais falavam com seus filhos.
Tão distantes estavam os deuses que agora precisavam de intermediários e mandamentos escritos e se tornava tão complicado falar aos homens, que não existia mais nenhuma graça em ser deus, pois aguardar os augúrios e os decifradores de sonhos era tão cansativo que dava sono aos deuses. Muitos deles adormeceram e outros foram para lugares distantes e longínquos, onde a racionalidade e a lógica não impedissem o contato com os humanos.
Apenas um, o mais humano dos deuses, não abandonou os homens. Dionisio, através do teatro e da irracionalidade desta arte, não foi submetido às normas apolíneas das artes. Anárquico, ele desafiou desde os reis e imperadores até o período negro da inquisição, levando aos homens a possibilidade de honrar seu gênio e, a partir disso, novas correntes artísticas buscavam a genialidade e a originalidade.
Porém hoje até mesmo ele se esgota em vista da mediocridade reinante, que repete formas e formas pós-modernizando tudo. O último deus também agoniza. E a criatividade e genialidade humana agonizam com ele.
Quando uns poucos como nós se voltam ao paganismo em busca da nossa liberdade de pensar e viver, sempre aparece um moralismo retrógrado que impõe regras e grita do alto da sua boçalidade e ignorância as palavras do velho bordão Cristão e dominador, “LIBERDADE NÃO É LIBERTINAGEM” se esquecendo totalmente do antigo sentido da palavra.
Libertino para os romanos era o escravo liberto, aquele que ganhou a liberdade como um favor, e não por sua luta. Portanto devemos todos inverter esta frase e buscar a verdadeira Liberdade, que é a liberdade obtida não por regras no nosso pensamento. Busquemos a nossa criatividade, a nossa Genialis Genitalis, a Genialidade que nos foi dada desde o Berço, a liberdade de Pensar e Sonhar sem seguir as velhas regras impostas pelas sociedades dominadoras e retrógradas. Vamos despertar os deuses adormecidos e buscar nas matas, montanhas e desertos os antigos deuses que nos abandonaram, pedindo que eles novamente falem conosco, nos inspirem para que recriemos o novo. Então, ao lado de Dionisio, o Pater Líber, finalmente gritemos aos opressores, que sabemos o que é liberdade e que nossa palavra de ordem, daqui por diante, será:
“LIBERTINAGEM NÃO É LIBERDADE”

domingo, outubro 01, 2006

Como foi votar com nariz de Palhaço





Na verdade não senti diferença nenhuma, caminhei uns 200 metros antes de entrar na Seção Eleitoral, passei por policiais militares e entre pessoas que saiam da eleição, não percebi nenhuma reação destas pessoas, todos praticamente fingiam não me ver, nem sorrisos e tampouco recriminação, era como não estivesse com o nariz pintado de vermelho.
Andei por dentro da seção, fiquei na fila, falei com a mesária que estava na porta e nenhuma reação, assim como os outros mesários. Sai da seção e retornei para minha casa onde limpei a pintura.
Ou seja, a impassividade das pessoas foi o que me assustou, afinal alguém com o nariz pintado, deveria no mínimo causar sorrisos.Apenas uma criança comentou com o pai, foi a única reação que percebi.
Creio que me vendo andar tanto a caminho da seção eleitoral, as pessoas se viam num espelho, ou seja, éramos todos palhaços votando em candidatos que não respeitam a nossa vontade.
Acredito no nosso país, tenho fé no Brasil. Mas para mudar o país deve haver a participação da sociedade, atos como este do nariz de palhaço, boicotes e protestos da população, pois enquanto nos quedarmos impassíveis continuaremos a usar invisíveis narizes de palhaços, somente a participação de toda a população, poderemos tirar da política estes que com suas safadezas nos levam a fazer este papel na democracia brasileira.
Somente unidos e participando poderemos colocar estes políticos que hoje riem de nós para o lugar onde deveriam estar: no circo, ou na cadeia.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Nariz de Palhaço




"Que a política nacional é uma palhaçada, todo mundo já está careca de saber. É mensalão prá cá, dólar na cueca prá lá, uma CPI que acaba em pizza aqui, um deputado 'inocentado' ali e o circo chamado Brasília vai mantendo e renovando o seu cast.
E nós, réles mortais, ficamos aqui do lado de fora, tentando descobrir a verdade que se passa dentro do picadeiro, aquilo que realmente acontece por baixo da lona.
Já que ficamos aqui, sendo feitos de palhaços, vamos assumir nossa verdadeira posição nas próximas eleições: Vamos adotar um simpático e inocente nariz de palhaço para compor nosso traje eleitoral no próximo dia 01 de outubro. Aquela pequena bolinha vermelha, que sutilmente já diz tudo.
Pode ser de plástico (os mais baratinhos), de espuma (um pouco mais caro) ou simplesmente pintando o nariz com tinta vermelha!
No enorme circo chamado Brasília nos sobra o papel de palhaços. Então, vamos às urnas caracterizados como tal!!!
ATENÇÃO: O movimento Nariz de Palhaço é completamente apartidário, não fazendo distinção a este ou àquele político, de tal ou qual partido. Apenas procuramos, de forma pacífica e bem humorada, demonstrar nossa indignação com diversos acontecimentos políticos apresentados pela imprensa todos os dias. "


"Não vá para onde o caminho pode levá-lo. Vá, ao invés, para onde não haja caminho e deixe uma trilha"

http://www.narizdepalhaco.com.br/

terça-feira, setembro 26, 2006

Amor



Amar é fazer diariamente a amada se apaixone por você,
como naquele filme “como se fosse a Primeira vez”,
com uma dificuldade a mais:
Nossa amada não se esquece das merdas
que falamos ou fizemos no dia anterior.

domingo, setembro 24, 2006

Até quando, Catilina



Em 64 a C. um inimigo da República reuniu em torno de si os descontentes e os miseráveis e tornou-se chefe de um partido revolucionário cujo programa era a redução das dividas e a partilha das fortunas. Mas cujos objetivos reais era uma ditadura e eternizar-se no poder.

"Lúcio Catilina, era de um grande vigor de alma e de corpo, porém de natureza má e depravada. Desde a juventude, as guerras civis, os assassínios, as rapinas tiveram encantos para e1e . . . Robusto de corpo, suportava a fome, as vigílias, o frio com incrível facilidade; quanto ao moral, era audacioso, astucioso, cheio de maciez, hábil em tudo fingir como a tudo dissimular, ávido dos bens alheios, pródigo dos seus, ardente nas suas paixões... Nada de excessivo, nada de inacessível havia que não atraísse constantemente essa alma insaciável. Depois da ditadura de Sila, ficara possuído do mais .violento desejo do poder supremo; e não tinha ele escrúpulos quanto aos meios de alcançá lo... No seio de uma cidade populosa e corrompida, Catilina, como era fácil, agrupara em torno de si, como satélites, todos os homens perdidos de devassidão e de crimes."

Contra ele, os moderados e os amantes da liberdade Republicana o maior orador e o mais fecundo escritor da literatura latina. Cícero escreveu contra Catilina quatro discursos chamados Catilinárias. Eis aqui o começo da primeira Catilinária que pronunciou em pleno Senado
"Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?... Aonde irão parar os arrebatamentos dessa audácia desenfreada? Nem a guarda que vela à noite no monte Palatino, nem os postos de soldados espalhados na cidade, nem o terror do povo, nem o concurso dos bons cidadãos, nem a escolha, para a reunião do Senado, deste lugar, o mais seguro de todos, nem os olhares, nem o rosto dos que te cercam, nada te desconcerta... ó tempos! ó costumes! o Senado conhece todas essas maquinações, o, cônsul as vê; e Catilina vive ainda.
ele vive? que digo eu? ele vem ao Senado... o seu olhar escolhe todos aqueles dentre nós que ele deseja imolar!"
Desconcertado, Catilina deixou Roma na mesma tarde.

Pena que em nossa Nova República, não se destacam homens honestos como Cícero, que lutou contra Catilina, César e Marco Antonio (sendo morto por ordem deste), pela manutenção da República. Pena que em nosso país a honestidade está em baixa nos homens públicos e o nosso povo mantido na ignorância, acreditando que a corrupção é natural na nossa República e em nada adiantará lutar contra a desonestidade.

Na falta de um Cícero, só nos resta parafrasear a ele, assumindo a crença de que as palavras são eternas e guiada pelos deuses. Na falta de um homem que desperte nossa República, clamamos pelas palavras imortais na esperança de que com elas, nos livremos do tirano desonesto e manipulador que nos leva a um período de trevas e para a ditadura da ignorância e da desonestidade.

Até quando, Lula, abusarás da nossa paciência?...
Aonde irão parar seus desatinos desenfreados, até quando irá repetir que não sabe de nada e que todos brasileiros são desonestos como a sua matilha, que sangra o erário, prejudicando aqueles a quem devias proteger. Até quando vais tentar nos impingir que a democracia não é uma coisa limpa!
Até quando veremos escândalos sucedendo escândalos e você repetindo que não sabe de nada ainda que seus agentes mais íntimos chafurdam na lama da corrupção?
Até quando o veremos se aliar ao que de mais podre em nosso mundo político?
Até quando veremos trabalho escravo no Brasil, crianças esmolando nos semáforos, homens puxando carroças catando lixo nas ruas enquanto vemos o presidente mentindo na TV afirmando que nunca se fez tanto pelos pobres e os bancos lucrando como nunca lucraram neste país?

Até quando, Lula?

Até quando Povo Brasileiro?

Se você concorda com isto que acabou de ler, e ainda acredita que nosso país tem jeito, e que a democracia deve ser limpa e transparente, junte-se a mim na defesa da República e repasse este Grito Ancestral, que ainda ecoa dentro de nós.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Minha vida



Nosso amor não é perfeito, ainda bem, pois como bem cantou o Gil, a perfeição é uma meta, um ponto final. E não quero ponto final para nós dois. A perfeição é divina, algo que humanos só podem almejar, alcança-la é se igualar aos deuses, e isto causa ciúmes a eles e isto eu não quero.

Quero nosso amor imperfeito e que continuemos buscando a plenitude em nosso dia a dia sem acomodação, sem deitar-se sobre os louros e sem cantar a vitória.

Sim nós sabemos que nos amamos, ambos temos a certeza do que sentimos, mas de forma alguma quero parar de te conquistar e nem quero que você deixe de me seduzir, me fascinar e surpreender a cada manhã com seu sorriso.

Somos um só, sendo dois ou sendo quatro, pois somos muitos em cada um de nós, e quero cativar cada uma das mulheres que existe em você e me enfeitiçar com cada brilho do seu olhar hipnotizante.

Quero continuar amando cada imperfeição sua, e que você coomprenda as minhas, assim somando o que dois seres tem de imperfeito e incompleto, nos completamos, e juntos daqui a longos anos de busca e de amor, finalmente seremos plenos.

Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang e sur la peau
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Accord'accord'accord'accord’a
Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Accord'accord'accord'accord’a
Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dancer dans mes bras
Vem moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise
Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateaux
Tu as le perfum
De la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Accord'accord'accord'accord
Joana Francesa (C. Buarque)


ANTÍGONA/ZUZU



Filha do incesto de Édipo com a sua própria mãe Jocasta. Quando Édipo, inteirado dos seus crimes pelo oráculo de Tirésias, se privou da vista e se exilou de Tebas, partindo como cego a mendigar o pão pelos caminhos, Antigona foi a sua companhia. O caminho que seguiram levou‑os até Colono, na Ática, onde Édipo morreu. Após a morte de seu pai, Antigona regressou a Tebas, onde viveu com a sua irmã Ismene. Aguardava‑a aí uma nova provação. Na Guerra dos Sete Chefes contra Tebas, os seus dois irmãos, Etéocles e Polinices, encontravam‑se em campos opostos: o primeiro, no exército tebano; o segundo, do lado inimigo, atacando a sua própria pátria. Quando a batalha se deu, frente às portas de Tebas, Etéocles e Polinices morreram ambos às mãos um do outro. Creonte, o rei, tio de Polinices e de Etéocles e das duas jovens, organizou funerais solenes para Etéocles, mas proibiu que se desse sepultura a Polinices, que conduzira estrangeiros contra a sua pátria. Antígona recusou‑se a cumprir esta ordem. Considerando um dever sagrado, imposto pelos deuses, dar sepultura aos mortos e, sobretudo, aos parentes mais próximos, infringiu a ordem de Creonte e espalhou sobre o cadáver de Polinices uma mão‑cheia de pó, gesto ritual suficiente para o cumprimento da obrigação religiosa. Por este ato de piedade, ela foi condenada à morte por Creonte e encerrada viva no túmulo dos Labdácidas, de quem descendia. Enforcou‑se aí e Hémon, seu noivo e filho de Creonte, matou‑se sobre o seu cadáver.

Zuzu Angel, estilista de Moda, chamada de alienada por seu filho Stuart Angel, se transformou quando este foi morto pela ditadura militar aqui no Brasil, de socialite que criava vestidos para as mulheres dos generais, não se conformou com o desaparecimento do seu filho e iniciou uma guerra contra a ditadura pelo direito de enterrar seu filho. Uma guerra solitária e com poucos aliados, já que a esquerda tradicional deve ter achado futilidade uma alienada, que costurava para as mulheres de generais, querer enterrar o filho.


Zuzu lutava pelo direito de enterrar seu filho que ela sabia estar morto e reivindicava “o sagrado direito de uma mãe de fazer o funeral de seu filho”. Usando estampas com silhuetas bélicas, pássaros engaiolados e balas de canhão disparadas contra anjos. O anjo tornou-se o símbolo de Tuti, o filho desaparecido - caracterizando suas coleções de moda: anjos amordaçados, meninos aprisionados, sol atrás das grades, jeeps e quépis.
Soube tirar proveito de sua fama, para envolver, a favor da sua causa, inúmeros clientes e amigos importantes: Joan Crawford, Kim Novak, Veruska, Liza Minelli, Jean Shrimpton, Margot Fontein, Henry Kissinger, Ted Kennedy, entre outros. Dizia sempre: "Eu não tenho coragem, coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade".
Seu lamento e direito incomodava as autoridades, tanto que o acidente de automóvel em que veio a morrer foi bastante estranho, não ficando claro até hoje as circunstâncias dessa tragédia. Há testemunhas que afirmam que havia um jipe do Exército, logo após o acidente, na saída do túnel Dois Irmãos.Ela própria denunciou seu fim: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho".

Estas sagas que podem ser vistas nos livros, teatro e cinema ( a Tragédia Grega Antígona e o Filme Zuzu Angel, em cartaz nos cinemas) nos mostram pontos de similaridade entre a Antiguidade e o Contemporâneo, pois mostram a revolta de duas mulheres contra as leis da sociedade em contrapartida das leis divinas e da natureza. É claro que não são apenas estas duas mulheres em épocas tão distintas que nos mostram a importância das leis divinas, as Mães da praça de Maio, chamadas pela ditadura Argentina de “las locas”, também fizeram isto, tanto pelos corpos de seus filhos quanto pela volta dos seus netos, outra lei da natureza, o direito do sangue.
Hoje nas pequenas notas dos jornais vemos um grupo de mães no Rio de Janeiro que gritam por seus filhos seqüestrados, pelo trafego ou pela policia, e que estão desaparecidos. Em todo mundo entes queridos são jogados nas valas comuns de cemitérios clandestinos, em florestas e descampados privados do sagrado direito de terem um funeral. Porém isto não causa comoção da mídia, que precisa do horror dos corpos estraçalhados nas guerras sujas. Os desaparecidos não tem fotos agonizando nem corpos físicos a serem fotografados, portanto, não são noticias.

Desde a pré-história quando o homem começou a criar sociedades, que as leis tem o intuito de controlar e regular as sociedades, e geralmente estas leis sempre favorecem as classes dominantes, aquelas que detém o poder, os ricos, os governantes e o clero em detrimento às classes menos favorecidas. Alem das Leis as sociedades se utilizam da religião para o controle das populações. Dogmas religiosos criam leis que se interpõe as leis divinas, num flagrante desrespeito a natureza humana.


O ser humano é parte da natureza e portanto deveria seguir suas regras, mas no entanto, as religiões e filosofias criadas pelas elites, coloca o Humano como ápice da criação e portanto com direitos sobre todo o restante da vida no planeta. Isto acaba dando o direito de humanos se considerarem melhores que outros humanos, criando um sistema de classes sociais e castas que nos dizem que alguns homens têm o direito de subjugar outros, criando a escravidão e a inferioridade feminina.

Mas no entanto o que vemos é que são mulheres que se revoltam quando as leis divinas são quebradas, possivelmente por ter ciclos e regras o feminino, tem uma ligação maior com a natureza, e certamente por isto é que buscam fazer com que as leis naturais sejam obedecidas.

Antígona, a filha de um Rei, morre pelo direito de dar sepultura ao irmão, de cobrir seu corpo com terra, para que este volte ao seio da Mãe, ao invés de sua alma vagar sem rumo sobre a superfície da terra.
Zuzu Angel, luta pelo direito de dar um funeral para seu amado filho e também morre por isto. Mesmo as leis humanas são quebradas quando o interesse dos poderosos são atingidos, afinal não existe em nosso país a Pena de Morte, portanto nem mesmo os agentes do governo ou suas forças amadas tem o direito de condenar alguém a morte, porém tanto Stuart quanto sua mãe, foram condenados a morte sem direito a um julgamento e a defesa, coisa que a constituição brasileira garante. Mas que quando se trata de pobres ou de “inimigos” dos poderosos, é completamente esquecida.


A igualdade, a liberdade, o direito a alimentação, o respeito aos mais fracos e aos idosos e mais uma serie de coisas são direitos naturais do ser humano e portanto não podem ser suprimidos pelas leis humanas, e nós que buscamos no paganismo uma volta dos valores essenciais e naturais, não podemos ficar indiferentes as injustiças cometidas em nome das leis e da ordem, pois estas aviltam a condição humana e são manipulados pelos poderosos.

Fiquemos então com as palavras de Antígona (narradas por Sófocles) ao responder Creonte quando indagada por que cometera o crime de ir contra o Decreto Real.


- “Desobedeci, porque não se tratava de uma determinação de Zeus. Nem a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto para os homens. Não creio, por isso, que teu decreto tenha tal força determinante, que seja capaz de permitir a qualquer mortal desdenhar o código dos deuses, imutável e não escrito, que não é de hoje nem de ontem, mas que existe desde toda a eternidade, originário ninguém sabe de onde, cujas sanções seria temeridade minha desafiar aos olhos do céu, por temor à vontade de algum homem.....Eu sei que vou morrer, eu sei que isso é inevitável, mas eu morreria de qualquer forma, mesmo sem a tua decisão.Morrer antes da hora, devo dizer-te, não deixa de ser uma vantagem para mim.O que perde com a morte quem vive em meio à desgraça? Portanto, a sorte que me reservas é um mal que não preciso levar em conta. Muito mais grave para mim seria permitir que o filho de minha mãe jazesse sem sepultura.Tudo o mais me é indiferente.Se te parece que cometi uma loucura, devo dizer-te que talvez mais louco seja quem me acusa”.

quinta-feira, julho 13, 2006

AFRODITE



Tão grande e famoso é o meu nome entre os mortais como no céu: sou a deusa Cípris. A todos que habitam e vêem a luz do sol, entre o Ponto e os limites do Atlas, se veneram o meu poder, respeito-os; mas faço cair em desgraça aqueles que nos tratam com soberba, pois grata é também aos deuses a veneração dos mortais. (...) O filho de Teseu, da Amazona nascido e pelo casto Piteu criado, Hipólito, é o único que, entre os cidadãos desta terra de Trezena, diz ser eu a pior das deusas - desdenha as delícias do amor e legítimas uniões afasta. A Ártemis, irmã de Febo e filha de Zeus, venera, como a maior entre as deusas (...). Mas hoje ainda, devido às faltas contra mim cometidas, punirei Hipólito (...) De acordo com os meus desejos, Fedra, nobre esposa de seu pai, ao vê-lo, no coração foi ferida por violento amor.

(Pequeno trecho do prólogo da tragédia Hipólito, de Eurípides. O texto original está em versos. Data: -428.)

segunda-feira, junho 26, 2006

O Tributo.



Sempre que volto de uma caminhada na mata, é hora de contabilizar o quanto paguei pelo passeio em pele, sangue e suor, os arranhões e esfolados, pois creio que sempre volto com alguns e deixei na natureza no mínimo umas gotículas de sangue como pagamento pelo o quanto me renovo e pelo oxigênio que usei na minha caminhada.
Já me acostumei, e por mais que me paramente com botas e tecidos grossos, o tributo sempre é pago, tanto que como sei que a mãe terra vai cobrar sua parte, nem mais me preocupo com proteção e entro nas trilhas de bermuda, afinal é sempre melhor que os arranhões ocorram nas pernas que no rosto. Pois, se me cubro todo, um galho ou espinho acaba me cortando na face.
Assim, como a experiência me ensinou que o tributo deve ser pago, o melhor é incluir uma caixinha de primeiros socorros na mochila, com antisséptico e vários tamanhos de curativos Band-aid, pois como não é possível prevenir, o melhor é remediar, ao contrario do que diz o dito popular.
Ultimamente, cuidando do sítio, tenho apreendido um pouco mais sobre os diversos tributos que acabamos pagando à Gaia: calos nas mãos criados por enxada, enxadão, machado e pás; dores em músculos que nem sabíamos a existência; e é claro os inevitáveis cortes e arranhões e litros de suor derramados na “lida” com a terra. Isto tem me ensinado muito, tenho visto cada vez mais que para tirarmos algo da terra temos que deixar um pouco de nós para ela, a mãe não dá nem tira nada de graça, e nunca é uma questão de ganhar ou perder, ser derrotado ou vencer, mas sim uma troca honesta e justa. É assim que devemos compreender o mundo se pensamos em ser pagãos. A Mãe nos dá ou tira, depende do que estamos dando a ela, assim como o nosso mundo e nossa vida são sempre uma troca. Se alimentarmos nossa vida e aquelas que nos rodeiam, se dermos amor, suor (sim, amor e suor estão juntos, dá trabalho amar de verdade) conhecimento e compreensão, vamos tornar nossa vida mais agradável e vamos receber do mundo o que estamos dando. E com relação à Terra, o nosso planeta, é a mesma coisa. Se trabalharmos nela e cuidamos da sua biodiversidade, vamos receber seus melhores frutos. Porém quando a envenenamos com agrotóxicos, não matamos apenas suas pragas, mas também minhocas e microrganismos que renovam a vida da terra.
Quando tiramos o homem da terra e o substituímos por tratores e grandes máquinas, além de ferirmos nossa mãe mais profundamente que o necessário, também tiramos um pouco da sacralidade da terra e nos perdemos das nossas raízes.
É claro que a grande lavoura é necessária, são bilhões de pessoas que devem ser alimentadas, mas quando criamos grandes fazendas automatizadas, tiramos o homem da terra e aprofundamos as disparidades de renda e chegamos a paradoxos como o que vivemos hoje: a obesidade fazendo tantas vitimas quanto a fome, e os alimentos chegando às nossas mesas envenenados com substâncias nocivas a nossa saúde.
Precisamos lembrar que temos o Universo como Pai e a Terra como Mãe, e precisamos estar mais em contato com eles, conhecê-los e compreendê-los melhor para restaurarmos o nosso equilíbrio, pois alguns milênios de práticas voltadas apenas aos deuses universais transcendentes afastaram-nos do contato com Gaia, nossa mãe imanente. Com isto nos perdemos de nós mesmos, nos soltamos das nossas raízes e nos afastamos do solo, desrespeitando não apenas a nossa natureza humana mas também toda a natureza que nos cerca.
O ser humano há muito tempo tem feito o possível para se excluir da natureza, considerando-se superior a todos os outros seres vivos, e por esta pretensa superioridade busca dominar a natureza ao invés de trabalhar em parceria com esta, e fazendo isto aliado a religiões que reafirmam este como o centro da criação e prometendo uma nova vida imaterial e celestial para seus crentes, contribuem para que percamos a nossa identificação com nosso planeta.
Quando penso em paganismo, imagino que nele está a melhor maneira de voltarmos a perceber a sacralidade da terra e da natureza, e não em magia ou bruxaria. O paganismo é nossa volta a natureza, onde percebemos que o sagrado está nas coisas simples como o ver uma semente brotar e florescer. Mas para que isto aconteça devemos pagar o tributo em tempo, suor e sangue.

quarta-feira, junho 14, 2006

A Mel



Bem olhar só os filhotes é pouco dêem uma olhada na Mel, e vejam se não querem um filhote, 5 já foram doados sobra um macho preto, e 3 fêmeas, duas chocolate e um macho creme

segunda-feira, junho 12, 2006

Filhotes da Mel


Oi povo perdido no labirinto...
A Mel, a cachorra mais espevitada e brincalhona que conheço, apesar de extremamente carente de colo, daquelas que quando estou sentado, se enfia no meu colo, com aquele olhar de criança de rua, teve filhotes.
E o pior, ou melhor foram 9, até agora 3 foram adotados, ainda sobram seis Um macho pretinho, duas fêmeas chocolate e três machos bege.
assim se você quiser ter um cão carinhoso e brincalhão, entre em contato comigo ou com a Saravati no Água Potável com link aí do lado.
Por que a Mel sozinha já gasta toda a energia da gente...

segunda-feira, junho 05, 2006

O Pacto



Sabe, eu com certeza venderia minha alma (se achasse quem a quisesse) para passar esta vida contigo.
Mas seria uma venda mentirosa, pois minha alma não me pertence desde de que te beijei pela primeira vez.

Mais Feliz
Dé/Cazuza/Bebel Gilberto


O nosso amor não vai parar de rolar
De seguir e fugir como um rio
Como uma pedra que divide o rio
Me diga coisas bonitas

O nosso amor não vai olhar para trás
Desencantar nem ser tema de livro
A vida inteira eu quis um verso simples
Pra transformar o que eu digo

Rimas fáceis, calafrios
Fura o dedo, faz um pacto comigo
Por um segundo teu no meu
Por um segundo mais feliz

terça-feira, maio 16, 2006

O paraíso

Madredeus: Letra e música: Pedro Ayres Magalhães



Subi a escada de papelão
Imaginada
Invocação
Não leva a nada
Não leva não
É só uma escada de papelão

Há outra entrada no paraíso
Mais apertada
Mais sim senhor
Foi inventada por um anão
E está guardada
Por um dragão

Eu só conheço
Esse caminho
Do paraíso

quinta-feira, maio 04, 2006

Um Fado Triste para Além Mar

"Gostava de morrer de repente. Acho que as
pessoas deviam ser como as maçãs, cair da árvore."
Amália Rodrigues





Estranha forma de vida
Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.

Amália Rodrigues

Vida para as Fontes Murmurantes




E a vida?
E a vida o que é diga lá meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce desilusão?
Mas e a vida?
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é o que é meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente
É um nada no mundo,
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo,
Há quem fale que é um divino,
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor,
Você diz que a luta é prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que é melhor morrer
Pois amada não é
E o verbo é sofrer
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé,
Somos nós que fazemos a vida,
Como der ou puder ou quiser

Sempre desejada
Por mais que esteja errada,
Mas ninguém quer a morte,
Só saúde e sorte
E a pergunta roda,
E a cabeça agita,
Fico com a pureza da respostas das crianças
É a vida , é bonita, é é bonita
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar a beleza de ser um eterno aprendiz
Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será

Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita, e é bonita

(O Que é o Que é - Gonzaguinha)

quarta-feira, maio 03, 2006

Origem da Coroa de Ariadne

Ovidio - Os Fastos 8 de Março.






Logo à seguinte noite aparece a coroa da Cretense, infeliz mas venturosa,
Que a afronta de Teseu tornou deidade.

Abandonada pelo esposo pérfido,
esquecido do horrendo labirinto
E fio salvador, já engana Ariadne
Melhor cônjuge encontra em Baco; entre as delícias
Do leito segundo, alegre exclama:
- "E eu louca a prantear-me! oh! graças! graças
Perjúrio de Teseu!" [


Baco entretanto,
O seu Baco, o seu Líbero, o seu tudo,
O seu tão lindo dos gentis cabelos,
Houve de se ir a terras do Levante.
Foi, venceu Indos, regressou coberto
De oriental opulência.

Entre as cativas
Que traz de peregrina formosura,
Uma vem, que em beleza excede a todas,
Filha do rei vencido, e vencedora
Do próprio vencedor.

Amante esposa
Adivinhou seu mal, chora em segredo.
Anda ao longo da praia sinuosa,
Aflita, esparsa a cabeleira; a sós vagueia;
Solta ao frígido vento as mágoas ternas:

– "Ouvi segunda vez os meus queixumes,
Vagas do mar! bebei as minhas lágrimas
Segunda vez, areias desta praia!
Aqui mesmo hei clamado (inda me lembra!)
Vai Teseu desleal! Teseu perjuro!
Foi-se, vem Baco, e o seu exemplo imita:
Baco é perjuro, é desleal como ele.

"Posso hoje, como então, clamar: – Ai! loucas!
Não vos fieis, não vos fieis dos homens;
Sou de novo traída; é só diverso
O nome do traidor!

"Ai! por que, ó destino,
Me abreviaste a primeira desventura?
Se a deixasse correr... já no presente
Não existia a vítima!

"Tirano! Quem te pediu, quem te mandou salvar-me?
Em Naxos sepultadas minhas penas
Ficariam comigo!

"Ai! Baco! Baco!
Mais versátil que as videiras que te ornam!
Haver-te eu com tal júbilo avistado
Para chorar-te agora! ousaste, ingrato,
Vir com minha rival ante os meus olhos,
E a tão suave amor dar fim tão cruel?!

"Que é da jurada fé? que é desses votos,
Renovados por ti de instante a instante?

"Mísera! sempre, sempre iguais lamentos,
E sempre, e sempre em vão!

"Teseu culpavas,
Impunhas?lhe rótulo de falso,
E o foi; mas condenaste-te chamando-o.

"Ninguém saiba o que eu sofro; ânsias desta alma,
Devorai-me em segredo; que não digam
Que eu nunca mereci senão repúdios!

"Teseu mais que ninguém meu mal ignore;
Não quero que o malvado se glorie
De que um deus foi como ele!
A mim! a Ariadne
Rivais assim!


"Sem dúvida sou escura,
E ela branca de neve! o carão dela
Tenha-o quem me quer mal.

"Porém que importa?
Gostas do negro, apraz-te a escuridão.

"Furta o cândido corpo aos seus abraços
Se não queres tisnar-te.

"Oh! não prefiras,
Meu Baco, outra mulher à nobre esposa.

"Minha mãe foi de um touro enamorada;
De sua fronte cornífera a lindeza
A cegou; deu-lhe opróbrio esse transvio;
Tua fronte cornífera, meu deus,
Seduziu-me também, mas deu-me glória.

"Se me punes de amar-te é ser injusto;
Puni-te eu, quando amor me declaraste?

"Se ardo por ti, se me abrasaste e abrasas,
Que admira? não se diz que origem tua
Fora o fogo do céu? que à luz vieste
Pela paterna mão roubado às chamas?!

"Sou inda a tua Ariadne; a tua; aquela
A que os céus tantas vezes prometias;
Pelos céus, ai de mim! tenho este inferno!"

Calou. Baco seguindo-a ocultamente
Da esposa as mágoas lhe escutara;
Ei-lo em súbito abraço a aperta, a beija,
E com beijos as lágrimas lhe enxuga:

– "Voemos ao mais alto firmamento,
Os dois a par" ? exclama; ? "associamos
Cá, o amor; lá, até o nome associaremos:
Libero eu sou; tu, Líbera te chama.

"Agora que o teu ser vai transformar-se,
Penhor do afeto meu lhe ponho ao lado
A coroa dada por Vulcano a Vênus,
E por Vénus a ti."

Preenche o dito:
As nove* gemas que a marchetam, muda?as
Em nove estrelas, com que brilha a coroa.

* Erro de Ovídio ou no antigo céu de Roma sem iluminação se contavam nove onde hoje só se avistam sete estrelas?

De Ariadne a Teseu

Toda a raça dos animais me pareceu mais amável do que tu
e não tive que temer de nenhum ser maior mal do que me causas.





O que lês eu te envio, Teseu, da praia onde tuas velas levaram sem mim teu navio, do lugar onde fui indignamente traída por meu sono e por ti, que te aproveitaste dele vergonhosamente.

Era o instante em que a terra fica coberta pelo transparente orvalho da manhã, em que os pássaros gorjeiam sob as folhagens que os cobrem. Nesse momento de despertar incerto, lânguida de sono, estendi, para tocar Teseu, mãos ainda entorpecidas; ninguém ao meu lado; estendi-as de novo, procurei mais; agitei meus braços na cama; levantei apavorada e me precipitei para fora desse leito solitário. Meu peito ressoou sob minhas mãos e meus cabelos, que a noite despenteou, foram arrancados. A lua me iluminava; observei se podia ver algo além da praia; a meus olhos não se apresentava nada além da praia. Corri para uri lado, para o outro, por toda parte, com tini passo inseguro. Uma areia profunda retinha meus pés de moça. Entretanto, ao longo da praia, minha voz gritou: "Teseu"; as grutas repetiam teu nome; os lugares por onde errei te chamaram tantas vezes quanto eu e pareciam querer socorrer uma infortunada.

Há uma montanha que no alto possui poucos arbustos; dali pende uma rocha minada pelas águas que estrondeiam a seus pés. Subi ali (a coragem me deu foras) e media vasta extensão dos mares que domino. Desse ponto (pois os ventos cruéis me ajudaram), vi tuas velas infladas pelo impetuoso Noto. Eu as vi de fato ou acreditei vê-Ias. Tornei-me mais fria do que o gelo, e a vida quase me fugiu. Mas a dor não me deixou muito tempo imóvel; ela logo me excitou; ela me excitou e eu chamei Teseu com toda a força de minha voz. "Para onde fugiste? Gritei; retorna, criminoso Teseu, vira para cá teu barco, ele não está completo".

Tais foram minhas preces; os soluços substituíam o que faltava a minha voz: golpes acompanhavam as palavras que eu pronunciava. Como não me atendeste, estendi, para que pudesses ao menos ver-me, meus braços fazendo-te sinais. Amarrei a uma comprida vara uma vela branca, para que lembrassem de mim aqueles que me esqueceram. Já o espaço te furtava à minha vista; então finalmente chorei pois a dor tinha até aquele momento interrompido o curso de minhas lágrimas. O que poderiam fazer meus olhos a não ser chorar por mim, já que tinham cessado de ver teu navio? Ora errava sozinha, com os cabelos desordenados, como uma bacante agitada pelo deus que o povo de Ógiges adora, ora com o olhar fixo sobre o mar, sentava-me sobre uma rocha, tão fria e tão insensível como a própria pedra que me servia de assento. Pisei muitas vezes o leito que nos tinha recebido e

que não deveria mais nos reunir. Toquei, o mais que pude, tuas impressões no teu lugar e o espaço que teus membros esquentaram. Atirei-me nele, e, inundando esse leito com as lágrimas que derramava, gritei: "Nós dois te esmagamos; recebe-nos ainda. Viemos aqui juntos; por que não irmos embora juntos? Leito pérfido, onde está a melhor parte de mim?"

O que farei? Para onde levar meus passos sozinha? A ilha é inculta. Não vejo nem os trabalhos dos homens nem dos bois. O mar banha em todo lugar as costas desta terra. Nenhum barco, nenhum está prestes a abrir rotas desconhecidas. Supondo que companheiros, ventos favoráveis e um barco sejam-me concedidos, para onde iria fugir? A terra paterna me recusa qualquer acesso.' Quando minha proa afortunada sulcar os mares tranqüilos, quando Éolo tornar os ventos propícios, serei uma exilada. Creta, com cem cidades soberbas, país que conheceu Júpiter no berço" não a verei mais porque traí meu pai, traí o reino governado por seu cetro justo, faltei a esses dois nomes tão queridos no dia em que, para salvar-te da morte, antes da tua vitória na muralha de mil voltas, dei-te por guia um fio que devia seguir teus passos. Disseste-me então: "Juro por esses perigos que tu serás minha enquanto vivermos". Nós vivemos e não sou tua, Teseu; se é que eu vivo, mulher que amortalhou a traição de um esposo perjuro.

Não me imolaste também, cruel, com a mesma clava que abateu meu irmão?; Essa morte te isentou do juramento que me fizeste. Agora revejo não apenas os males que devo suportar, mas todos os que pode sofrer uma mulher abandonada. A morte se revela ao meu espírito sob mil aspectos diferentes. Sofremos menos recebendo-a do que esperando-a. Vejo se aproximarem, de um lado ou de outro, lobos que com dentes ávidos rasgarão minhas entranhas. Talvez também o solo nutra leões com jubas avermelhadas. Quem sabe se esta ilha não é infestada de tigres ferozes? Dizem também que o mar vomita aqui enormes focas. Quem impede que gládios atravessem meu flanco? Só espero não gemer, como uma cativa, sob o peso cruel das correntes; não ver, como escrava, minhas mãos condenadas a um trabalho estafante, eu, de quem Minos é pai, e a mãe uma filha de Febo, eu, e é isso que não posso esquecer, eu que fui tua noiva! Se observo as ondas, a terra e as praias longínquas (a terra e as ondas me fazem as mesmas inúmeras ameaças. Restou o sol: temo os deuses e até suas imagens.) Sou uma presa, uma isca jogada sem defesa aos animais ferozes. (Ou, se homens cultivam e habitam esse lugar, eu desconfio deles. Minhas desgraças me ensinaram a temer os estrangeiros.)

Quisesse o céu que Androgeu não tivesse vencido, e que tu não tivesses expiado, terra de Cécrope, um assassinato ímpio com teus funerais; que teu braço cruel, armado com uma nodosa clava, não tivesse, ó Teseu, imolado o monstro, metade homem, metade touro; que eu não tivesse, para orientar o teu retorno, confiado a tuas mãos um fio que me atraiu para ti!

Não me surpreendo, afinal, de que a vitória tenha sido tua e que o monstro tenha tingido com seu sangue a terra de Creta; seu corno não podia furar um coração de ferro; sem escudo, teu peito bastava para te defender. Tinhas ali o pedregulho, o diamante, e tens aí, Teseu, como vencer o pedregulho.

Sono cruel, por que me retiveste nesse torpor? Eu devia desta vez ficar amortalhada na noite eterna! Vós também, ventos cruéis, tão obsequiosos naquele momento, vós que o servistes às custas de minhas lágrimas; tu, mão cruel, que feriste de morte meu irmão e eu; promessa vã, concedida a minhas preces; tudo conspirou contra mim, sono, vento, promessa; sozinha uma jovem foi vítima de uma tripla traição.

Prestes a morrer, não verei as lágrimas de uma mãe e nenhum dedo fechará meus olhos? Minha infortunada alma levantará vôo sob um céu estrangeiro e uma mão amiga não perfumará meus membros inanimados. Os pássaros marinhos abaterse-ão sobre meus ossos que não serão enterrados? É essa a sepultura que por meus benefícios mereci? Entrarás no porto de Cécropes; quando fores recebido em tua pátria, de tua alta morada verás a multidão se comprimindo para ouvir-te contar pomposamente a morte do monstro, metade touro metade homem, e como percorreste os caminhos sinuosos do palácio subterrâneo. Conta também que me abandonaste numa praia solitária; eu não devo ser esquecida entre os teus títulos gloriosos. Não tens como pai Egeu, nem como mãe Etra, filha de Piteu; os rochedos e o mar são os autores de teus dias.

Que não me tenhas visto do alto de tua popa! Tão triste espetáculo teria enternecido teu coração. Agora, vê-me, não mais com os olhos mas na imaginação, se puderes; vê-me ligada a um rochedo onde vem quebrar-se a vaga inconstante; vê a desordem de meus cabelos atestando minha dor, e minha túnica inundada de lágrimas como se a chuva a tivesse molhado. Meu corpo estremece como a espiga agitada pelo Aquilão e minha letra treme sob minha mão oscilante. Não te suplico em nome de um favor que terminou tão mal para mim; que nenhum reconhecimento seja devido ao serviço que te prestei, mas nenhuma piedade também: mesmo não sendo a causa de tua saúde não haveria motivo para que tu sejas a causa de minha morte.

Infeliz! Separada de ti pelo vasto mar estendo para ti essas mãos fatigadas de ferir meu pobre peito. Mostro-te, banhada em pranto, os cabelos que escaparam de meu furor. Eu te suplico, com lágrimas, que aplaques tua crueldade, Teseu, volta para mim a proa de teu barco; retorna, que os ventos te tragam. Se eu sucumbir antes do teu retorno, ao menos enterrarás meus ossos. ( Ovídio – As Heróides)

quinta-feira, abril 27, 2006

Soneto do Amor total


Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do
que pude.

(Vinícius de Moraes)

terça-feira, abril 25, 2006

Selene e Endímion.


Endímion foi um rei sagrado dos Etólios, que os conduziu da Tessália para Elida. Era filho de Zeus e da ninfa Cálice, herdando do pai a força e o poder de liderar homens e da mãe a beleza, sendo um dos mais belos personagens da mitologia grega.
Um dia, enquanto pastoreava os seus rebanhos, adormeceu numa colina e foi despertado pela luz da lua cheia, que havia se aproximado tanto que quase ele poderia tocá-la com sua mão. Maravilhado com a lindeza e perfeição da titânide Selene, ele passou a maldizer o destino humano. Imaginou-se com o rosto sulcado de rugas e o encanto do seu corpo viril arruinado por Cronos, perderia o volume e as carnes flácidas cairiam penduradas nos ossos. Como podia Selene, quase tão velha quanto o Tempo, se manter tão jovem e luminosa e permanecer no mundo enquanto o destino dos homens era se transformar em pó? Passou o resto da noite em claro, em sua admiração revoltada para com a lua que, como toda mulher, se fez ainda mais linda e cintilante para prender a sua atenção.
Este voltou com seu rebanho nas semanas seguintes e passava em claro suas noites observando o passeio diário que Selene fazia no céu, aparecendo inteira, reduzindo até que sumisse de vez , para novamente aparecer tímida num fio em forma de arco.
Meses se passaram e, longe de seu reino e família, Endímion já não queria voltar para sua casa. Os filhos já cresciam, podiam cuidar do seu reino, e sua mulher já não lhe despertava o fascínio de outrora e, mesmo sem perceber, passou a desejar a lua. Sabia exatamente em que ponto do horizonte ela apareceria em cada dia e com os olhos fixos, às vezes banhados em lágrimas, esperava por ela. Nutrindo esta paixão impossível, ele não percebia que afrontava os deuses com sua pretensão e a cada manhã amaldiçoava-os e a sua condição de humano. Ele era filho de Zeus, por todos os lugares que passava ouvia que era semelhante aos deuses por seu porte e beleza, porque então não era divino e imortal?
Selene, a Cintilante, era filha de Hipérion e Tia, e percorria o céu num carro de prata puxado por dois cavalos brancos. Na primeira noite que Endímion dormia ao relento com suas ovelhas, admirou-se com sua beleza e fez com que a noite parasse para poder se encantar com o belo rosto do homem que dormia. Lentamente aproximou-se dele fazendo com que a lua quase se encostasse a terra, e com seus alvos dedos de raios de luar acariciou o belo rosto fazendo com que o pastor despertasse.
Durante o período de enlevo de Endímion, Selene se fazia a cada dia mais linda, vestia-se de prata e branco, destacava seus olhos azuis-claros com sombras das cores do amanhecer para encantar ainda mais seu apaixonado. E como a distancia os separava, somente seus olhares se tocavam.
Como nada na terra escapa os olhos dos deuses, este romance e a indignação de Endímion com os deuses logo se tornaram assuntos, deixaram de ser comentários sussurrados para serem ditos em viva voz no Olimpio. Os deuses não admitiam que um mortal se comparasse a eles, e juntos foram a Zeus pedir uma punição às ousadias do rapaz, para que o pai dos deuses lançasse Nemésis e suas fúrias sobre ele.
Zeus, que amava seus filhos mortais, se esquivou do assunto, passando para Hera a incumbência de castigá-lo. Porém quando a deusa do céu fitou o rapaz nos olhos compreendeu sua revolta. O louro cabelo do Etólio, cortado à maneira de Teseu, curtos na frente para que não atrapalhassem a visão e longos até abaixo dos ombros na parte traseira, o nariz perfeito e a harmonia de suas feições encantaram a deusa, que imediatamente aceitou a causa do rapaz, afinal eram tantos os bastardos de Zeus que, porque este, o mais perfeito de todos, não teria o direito à imortalidade ?
Voltou ao Olimpo e conversou com Zeus, argumentando que este era seu filho, por que então condena-lo se sua reivindicação era justa? Se não tivesse nascido tão belo e forte, e não tivesse a revolta com a morte não seria filho de Zeus, por que culpá-lo se tudo que Endímion fazia era de sua natureza? Nada mais natural que ele, sendo filho de Zeus, fosse orgulhoso de sua linhagem.
Zeus rapidamente percebeu, enciumado, que o rei pastor encantara sua esposa como antes já havia encantado sua amante Selene, e que se ele não desse um basta, logo todas as deusas defenderiam sua causa. Com sua astúcia, vinda de Métis, Zeus decidiu-se, atenderia às reivindicações de seu filho, o tornaria imortal e o manteria jovem pela eternidade, mas para garantir a fidelidade de sua esposa, ele viveria eternamente mantendo sua beleza, dormindo. E desceu a terra para expor a Endímion seu castigo.
Hera porém conhecia muito bem seu esposo, e não confiava no seu julgamento. Conhecida como a que tem mil olhos e cujo animal é o pavão que traz em sua cauda os mil olhos bovinos de Hera, espreitou enquanto Zeus fazia a sua proposta ao moço. Protetora dos casamentos e dos romances conjugais, ela ficou penalizada com a decisão de Zeus. O romance de Endímion e Selene nunca se realizaria se ela não agisse rápido.
Vestida com as cores do Céu, desceu novamente à terra e de lá ao Hades, na terra dos Cimérios, adentrou no sonolento palácio de Hipno, o filho da Noite e de Érebo, e entre espíritos adormecidos, conversou com o irmão de Tânato. Pediu-lhe que não desobedecesse ao Rei dos deuses, e cumprisse exatamente o que lhe foi pedido, porém deveria acrescentar duas coisas, que Endímion dormisse com os olhos abertos para que pudesse ver Selene e que seus sonhos sempre fossem o que ele imaginava durante o período que passou apaixonado pela Titânida. Com isto, Hipno não desagradaria a Zeus e também agradaria a Senhora dos Céus, e assim foi feito.
Conformado com sua sina, Endímion deitou-se no morro onde pela primeira vez sentiu a presença de Selene, e adormeceu com os olhos abertos e voltados para o céu. E logo ao anoitecer Selene veio vê-lo, compungida pelo castigo infligido ao seu amado e enternecida acariciou sua face, e neste momento os olhos dele a fitaram, e no seu sonho ele murmurava palavras de amor a ela. Percorrendo o corpo do amado com seus argênteos dedos, percebeu que ele reagia aos seus estímulos e penetrou nos seus sonhos.
Longe do mundo real, onde a distancia os separavam, eles se amavam nos sonhos e a cada nova noite Selene deixava que seus cavalos, a tanto treinados em percorrer o céu noturno, levassem seu carro luminoso e, se despindo suas roupas de luz, se deitava junto com o amante e penetrava nos seus sonhos. O corpo dele, reagindo aos estímulos, ficava pronto para o amor e os dois se amavam tanto no onírico quanto na realidade. Deste amor nasceram as 50 filhas da Lua e, das filhas desta, os sonhos femininos das que amam à distancia os amores impossíveis e os concretizam, ainda que de forma onírica.
Até hoje quando vemos uma lua esplendorosa e radiante no céu nos lembramos que, em algum canto da Grécia, um rapaz que dorme com olhos abertos a fita e sonha, é para ele que Selene se faz tão bonita

quinta-feira, abril 20, 2006

Aos Nefelibatas como Eu e Você.




Que palavra linda !!! Muitas vezes eu e a Deusa, ficamos falando de palavras e sons que gostamos, palavras sonoras como o nome do blog dela Água Potável, que soa maravilhosamente A-gu-a Pó-tá-vel, ou Sibilante, que nos lembra uma cobra esguia, ou o vento passado pelas arvores ou entre as pedras como na cova da Sibila de Cunas, e tantas outras como Libidinoso, Lúbrico e etc...
Como podemos dizer também o estado em que vivemos eu e ela nestes últimos meses em apenas uma palavra, felizes e apaixonados é muito pouco, estamos além disso. E do nada apareceu uma visitante aqui no blog, que por um acaso também adora Madredeus e me convidou para visitar o blog dela, que é outro labirinto pessoal, e nele estava a palavra que precisávamos, antiga e esquecida neste tempo de frases curtas e de lideres mundiais medíocres, nos dando a impressão que a inteligência abandonou o planeta.

Pois bem, lá vi a palavra que faltava para definir o estado que vivemos: somos nefelibatas, “do Grego nephéle, nuvem + bates, que anda”, ou seja vivemos nas nuvens, andamos flutuando no céu e acreditamos no amor. Não naquele amor ideal, que os incompetentes na arte de amar esperam que aconteça para eles: que uma alma gêmea caia do céu no colo deles. Mas sim o amor sofrido de superar as diferenças, de batalhar dia a dia para encaixar peças de um quebra-cabeça maluco onde aparentemente nada encaixa em nada. Mas, percebendo as sutilezas e as nuances de cada uma das peças, que cada um de nós dois com vidas pregressas completamente diferentes traz. Um amor de conhecer, compreender e aceitar as diferenças. Amor de mudar a vida, não por nenhuma exigência, mas por acreditar que a mudança fará bem ao casal, Amor que dói a cada segunda feira, depois do fim de semana juntos, separados pelo trabalho.
Andamos nas nuvens, muito acima dos mortais e mais próximos dos deuses, como nos diz Pessoa, travestido em Ricardo Reis, “Os deuses são deuses Porque não se pensam”, e juntos não nos pensamos, vivemos em um Olimpo só nosso; em que estamos no eixo da roda da fortuna, e a vida real gira em torno de nós dois. Embora o mundo esteja burro, o trabalho escasso e o dinheiro curto, isto no máximo nos preocupa, sem interferir no que sentimos quando estamos perto ou quando nossos lábios se colam em intermináveis beijos.

História longa que começou há 5 anos com uma troca de olhares, e depois de 3 anos de desventuras, nos reencontramos em uma noite de abril, que passou com dois cafés e um suco e beijos intermináveis e nos assustamos com o amanhecer, pois 8:00h se passaram num átimo de segundo, e prosseguiram no dia seguinte e nos 717 dias que estamos juntos.

É claro que foi difícil, tivemos maus dias, momentos horríveis, mas a cada dia que passou resgatamos nós mesmos, pouco a pouco, afloramos o que realmente éramos. Morreu um pouco do que a vida nos havia transformado, resgatamos nossa essência, nossos sonhos e muitos dos esqueletos que guardávamos trancados nos escuros armários da mente e nos mostramos inteiros, hoje somos quem sempre quisemos ser, humanos e apaixonados. Diferentes, afinal quem apostaria num romance de um Dragão com uma Deusa ? Apenas nós que somos nefelibatas e comemoramos nesta semana dois anos juntos.
Obrigado por tudo isto Deusa, por me devolver minha vida, ressuscitar muito do que tinha morrido em mim e tudo que eu largara pelo caminho. Eu tinha muita saudade de mim mesmo, você me trouxe de volta.
Parabéns para nos dois, e muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiitos anos de vida para o que sentimos.


Ps. Ana Paula, obrigado por me lembrar a palavra e pelo seu Post Triste, que me inspirou a escrever este para responder a sua pergunta. A resposta é sim, ainda existem pessoas que não tem medo de se apaixonar e isto você pode ver nos outros labirintos pessoais que são os meus links, aonde vou linkar o seu Refúgio dos Infelizes, na esperança que você não perca a fé no Amor, que é o sentimento que nos aproxima dos deuses, mas... Que dá um trabalho insano.

Para Viver Um Grande Amor
Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! É de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o “velho amigo”, que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer “baixo” seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

Texto extraído do livro “Para Viver Um Grande Amor”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

sexta-feira, abril 07, 2006

Coisas Pequenas




Coisas pequenas são
coisas pequenas
são tudo o que eu te quero dar
e estas palavras são
coisas pequenas
que dizem que eu te quero amar.

Amar, amar, amar
só vale a pena
se tu quiseres confirmar
que um grande amor não é
coisa pequena
que nada é maior que amar.

E a hora
que te espreita
é só tua.
Decerto, não será
só a que resta;
a hora
que esperei a vida toda,
é esta.

E a hora
que te espreita
é derradeira.
Decerto já bateu
à tua porta.
A hora
que esperaste a vida inteira,
é agora
(Pedro Ayres Magalhães-Madredeus)

terça-feira, abril 04, 2006

No Outono




No outono colhemos os frutos do que plantamos, e este será o terceiro outono que colhi a mais saboroso dos frutos perigosos e proibidos. Creio que já na primeira mordida num abril passado, finalmente apreendi porque o amor é tão proibido, porque com ele tudo podemos, narcótico, entorpecente ele nos faz perder o sentido das coisas e ver o mundo de maneira inusitada. Ficamos amortecidos para as dores do mundo e se alguma coisa dói é a falta da pessoa amada.
O amor é proibido e castrado por quase todas as religiões, afinal quando amamos nos tornamos mais próximo dos deuses e o nosso credo é a paixão, nos entregamos ao ser amado e ao nosso destino sem duvidas ou medos, acreditamos na imortalidade da alma, pois uma vida é muito pouco tempo, quando amamos de verdade percebemos o valor da eternidade, porque depois que comemos este fruto nos sentimos realmente plenos e integrados ao universo.
Lisérgico e alucinógeno pois por mais que a nossa volta as paredes ruem envoltas em escuridão e névoa, conseguimos enxergar cores inusitadas e raras, deixando que todos os males escapem da caixa de Pandora e agarramos com força a esperança e ficamos com a esperança que podemos reconstruir tudo, que as nevoas se dissiparão e o sol voltará a brilhar. Como loucos nos agarramos a esperança, a ultima das dádivas de Zeus aos humanos, e por nossa fé e crença investimos contra os moinhos de vento até que todos os males se esvaeçam a vida retome seu curso.
Mais do que a primavera onde a natureza explode em flores e vida o outono é a recompensa pelo trabalho e a colheita do que plantamos, dos frutos que sonhamos e que tanto lançamos sementes, que muitas vezes pareceram vingar, mas que no entanto não frutificaram e feneceram a cada outono embora tivessem prometido tanto nas primaveras.
O amor colhido no outono não é temporão, mas sim o fruto colhido em seu esplendor de cor e sabor, que chega no tempo certo sem falsos fertilizantes ou implementos tóxicos, que contaminam e envenenam. Estes amores maduros colhidos no tempo certo, são a promessa de todos os que experimentam antes do tempo e que nunca nos satisfizeram. São a recompensa dos deuses, para quem perseverou no plantio e na escolha das sementes e que nunca perdeu a fé em Vênus e no seu filho Eros.
Os amores do Outono, estes sumarentos e doces frutos, trazem as lembranças da adolescência, de sítios bucólicos e frutas colhidas no pé, com sabor inesquecível como as goiabas da juventude, já que as de hoje. maiores e até mesmo mais bonitas, só trazem o enganador aroma de goiaba, porém insípidos, sonsos, sem sabor ou consistência da fruta verdadeira. Este gosto de infância e de regalo nos faz ter prazer em viver e nos rejuvenesce tanto que “venho até remoçando me pego cantando sem mais nem porquê”



Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama
E eu que era triste
Descrente desse mundo
Ao encontrar você
Eu conheci o que é felicidade
Meu amor
(Antônio Carlos Jobim)

sexta-feira, março 24, 2006

Venerium, o Lance de Venus



Apesar de deturpado por quase dois milênios, o verdadeiro sentido da palavra venerium, não é sexual, ele significava para os romanos o melhor lance no jogo de dados, portanto um lance de muita sorte, um Royal Street Flash no jogo de dados, e conseguir um numa rodada era muito raro, só mesmo um amado de Vênus podia conseguir um deles numa rodada de dados.
Mas às vezes alguém conseguia mais de um o que era muito raro. Porém, se este ganhador se jactasse da sua sorte ou do amor da Deusa perdia tudo rapidamente. Porque Vênus não tem nada a ver com a sorte e para os deuses gabar-se e exaltar-se é a expressão da insolência, algo que é exatamente o contrario do espírito venusiano.
“Nec semper Veneris spes est profitenda roganti” Nem sempre a expectativa de Vênus é um convite declarado. O charme venusiano está nas palavras de Ovídio “Muitas cobiçam o que foge, e a quem as assedia oferecem destem”. Ele aconselha moderação silencio calma e cortesia, para os que querem se desenvolver na arte de amar.
A Anquises, pai de Enéas, a quem a deusa amou, ela tornou aleijado por ter se vangloriado aos amigos de se deitado com Vênus. Pompeu que se dedicou a Vênus Victrix, associada à vitória, inaugurando templos e cultos para sua protetora, porém de nada isto adiantou, quando seu inimigo foi César da gens de Iulo (Julia) o filho de Enéas neto de Vênus. Na véspera da batalha decisiva, sonhou que enfeitava o Templo de Vênus e percebeu que o sonho não lhe era favorável, trocou sua divisa “Vênus Victrix” por “Hercules Invictus” e perdeu a batalha de Farsalo.
César vitorioso, sabia que no charme venusiano, o próprio conceito de sucesso é fruto de encantamento, e em sua volta a Roma ao invés de fazer um templo para a Vênus Vitoriosa ele o fez pra “Venus Genitrix” a Vênus Geradora, a Vênus Mãe, numa demonstração clara, de que ele sabia, que a vitória é simplesmente uma conseqüência da proteção venusiana.
Os benefícios dados por Vênus de forma alguma depende de fatores aleatórios como a sorte ou o azar, mas sim de “Charme” (feitiço, encantamento) da Deusa que dá aos seus protegidos a certeza da vitória não importando o tipo de empreendimento.
A deusa protege aqueles que lhe rende culto, aqueles que fazem o veneratio ( veja em alguns post abaixo) não apenas se entregando totalmente a ela como também aqueles que se entregam totalmente ao amor, sem pudor ou medo, pois a beleza é a mãe do amor.
Vênus acolhe em seu seio aos amantes e jamais os desampara. Alimentando tanto a paixão quanto o restante da vida terrena, assim aos amados de Vênus jamais faltará teto ou comida. Porém para aqueles que se amedrontam com seus próprios sentimentos, fogem ou desprezam os presentes de Cipris, ela reserva dor e lagrimas.
Ciúmes em demasia ou desconfiança afrontam a deusa, já que a paixão é presente dela. Como num Veneratio, devemos nos entregar por inteiro e não nos preocuparmos com mais nada, pois ela cuidará de tudo. Mas como no jogo de dados devemos lembrar que o venerium, não acontece toda hora, e se esperarmos que ele aconteça sempre, cairemos na presunção que os deuses detestam e entregam a Nemèsis, aquela que exalta aqueles a quem vai derrubar.