segunda-feira, março 14, 2011

AMOR NO HOSPÍCIO -Dylan Thomas



Uma estranha chegou
A dividir comigo um quarto nessa casa que anda mal da cabeça,
Uma jovem louca como os pássaros

Que trancava a porta da noite com seus braços, suas plumas.
Espigada no leito em desordem
Ela tapeia com nuvens penetrantes a casa à prova dos céus

Até iludir com seus passos o quarto imerso em pesadelo,
Livre como os mortos,
Ou cavalga os oceanos imaginários do pavilhão dos homens.

Chegou possessa
Aquela que admite a ilusória luz através do muro saltitante,
Possuída pêlos céus
Ela dorme no catre estreito, e no entanto vagueia na poeira
E no entanto delira à vontade
Sobre as tábuas do manicômio aplainadas por minhas lágrimas deâmbulas.

E arrebatado pela luz de seus braços, enfim, meu Deus, enfim
Posso de fato
Suportar a primeira visão que incendeia as estrelas.

(tradução: Ivan Junqueira)

sexta-feira, março 04, 2011

Voar é com os Pássaros – o Sonho de Ícaro


“Terras licet”, inquit, “et Undas Obistruat,
at caelum certe patet. Ibimus illac;
Omnia possideat, non possidet aera Minos (Ovídio)
(Embora Minos nos feche a terra e o mar,
Ao menos o céu está aberto: iremos por lá. 
O senhor de todas as coisas, não tem domínio sobre o ar)

Imagino que os meus prezados visitantes e aqueles que se perdem no labirinto, possam me compreender melhor, do que aqueles que pouco me conhecem. Possivelmente os que não percorreram os meus caminhos, que não andaram por este espaço, como muitos que praticamente segurei pela mão como um guia e mostrei o caminho da saída. Aques que entram e saem do labirinto sabem quem eu sou de verdade, pois todos os sentimentos, as indignações que estão impregnadas nestas paredes são reais, já que nestes corredores não existem mentiras, tudo aqui é verdadeiro.

Porém os desavisados, aqueles que só colocaram a cabeça na porta e não se aventuraram a dar mais que três passos em direção ao centro, não conseguem entender a brincadeira e me imaginam um monstro solitário incapaz de fazer um amigo. Tudo bem, pode parecer estranho, mas do lugar onde vim, se não fosse normal era corriqueiro encontrar gente com aparência estranha, O Deus Pã, nasceu com coxas e pernas de Bode e não foi por isto que foi desconsiderado, é um Deus. E mais, é um Deus benevolente guardião dos animais na natureza, boa praça, sínico e um piadista irresistível que consegue fazer que a pessoa ria de si mesmo, quando ele expõe suas fraquezas e desvios de caráter. O meu querido Dionísio, nasceu com chifres de touro, que também não impediu que ele se tornasse Divino, e possivelmente o Deus mais cultuado, até hoje, do panteão olímpico.

Acho estranho, portanto, que eu filho de Posídon, só porque nasci com a cabeça de touro seja considerado uma abominação. É absurdo que além que eu tenha que pagar pelo erro do meu pai humano. Mas nunca reclamo, até gosto daqui, tanto, que mesmo quando me disfarço de humano, e saio para viver fora daqui, sempre acabo voltando. Tenho tudo aqui. Uma boa biblioteca, uma excelente cozinha, adega, uma banda larga divina, que permite que eu veja o mundo exterior. Tenho a companhia dos visitantes, mesmo aqueles que se envergonham de tecer comentários sobre o que viram por aqui. Muitas vezes os encontro pelas redes sociais e fico sabendo, que vivem perambulando por aqui, alguns até se perdem e depois se reencontram aqui mesmo nos meus domínios.

Falei tudo isto para dizer que as vezes me sinto muito triste, quando me lembro do meu primeiro amigo Icaro. Passamos a infância juntos, pois seu pai ficou preso muitos anos aqui, e mantinha sua oficina de inventos ali no primeiro corredor a esquerda.

Chegamos aqui ainda crianças, quase que na mesma época. Eu vindo de uma prisão no palácio, e Ícaro vindo do mundo exterior, foi com ele que me reconheci humano, divino e aprendi as primeiras palavras. Ficamos juntos até a juventude, quando finalmente ele e o pai fugiram e junto com Ícaro sofri minha primeira morte entre tantas nesta minha longa vida.

Não foi por medo, que não voei junto com eles, mas seria um pouco incomodo numa fuga estar acompanhado por alguém com cabeça taurina. Mas sabia que voar sempre fora o sonho de Ícaro, desde a infância fazíamos asas com penas de pássaros que vinham no labirinto. Lembro-me dele com suas longas asas feitas pelo pai, seu sorriso confiante. Ainda repeti o aviso que lhe dava desde criança: Voar é para os Pássaros, se os Deuses quisessem que voássemos os deuses nos dariam asas.

O dia chegou, e Dédalo, falou: Voar não é possível para os humanos, mas morreria se passasse o resto da minha vida, preso e sem criar. Por isto vamos orar aos deuses, para que não vejam o que fazemos, e seremos discretos não voando perto das ondas que molhariam nossas penas, nem tão alto que o sol, derreta a cola de cera. Vamos a meia altura sem chamar a atenção dos que estão a distancia. E partiram.

Pela parte aberta do labirinto, os vi ganhando os ares a única saída aberta do reino de Minos, percebi que algo daria errado, quando Ícaro ultrapassou o Métron (suas medidas), e depois de um rasante sobre o palácio de Minos, usou o impulso da descida, para subir ainda mais Alto, como se risse do Rei das terras e mares. Quando vi a desmesura senti que perdi o amigo, tive a certeza que ele perderia todos os limites, foi tomado pela hybris e esquecera sua condição humana desafiou, o Eros primordial, a atração de todas as coisas. O que equilibra o universo e nos prende à terra.

Minha ultima visão de Ícaro, foi uma descida vertiginosa. Como um falcão buscando a presa sobre o labirinto ainda ouvi meu nome, Asterion, gritado por ele para chamar minha atenção, antes que usasse o impulso para ir ainda mais alto e sumiu nos céus.

Foi triste saber o final, o que ele acreditou ser a Liberdade foi sua ruína... Despencou do céu que ele acreditou possuir.

O seu sonho de viver livre, nada mais era que o seu trágico destino.