É estranho, ando com uma terrível e avassaladora vontade de escrever,
porém quando sento em frente ao teclado, só escrevo coisas que não quero
escrever agora. Não quero falar de mim, de como estou e me sinto. Creio que não
é o momento de falar, muita coisa tem acontecido numa seqüência de dissabores
nos últimos dois anos terão que agüentar, pois só serão escritas e publicadas
depois que toda a poeira deste vendaval assentar.
Falar do presente não é nada
gratificante, afinal o espaço que chamamos de presente é tão liliputiano, que a
cada ponto final se transforma em passado. O presente acontece aqui e agora,
assim pode mudar a qualquer momento e por isto perde completamente o sentido.
Porém, neste meio tempo, milhões
de idéias estão rolando na minha cabeça e estou lendo e relendo muito e me
apaixonando por alguns autores que eu não conhecia, como o Amós Oz, é fascinante ver ele transformando assuntos
indigestos em uma literatura palatável e mágica que nos envolve completamente,
fazendo inclusive que até nos esqueçamos o quanto “aquilo” não nos agradava.
Segue um texto do Livro “De Amor e Trevas” com um pequeno comentário meu ao final.
“E
aos noventa e três anos, uns três anos após a morte de meu pai, vovô decidiu
que era chegada a hora, pois eu já tinha idade bastante para que ele conversasse
comigo de homem para homem. Convidou‑me ao seu gabinete, fechou as janelas,
trancou a porta com chave, sentou‑se formalmente à sua escrivaninha ordenou-me me sentasse à sua frente, não me chamou de pirralho, Cruzou as pernas,
apoiou o queixo no punho fechado, pensou um pouco e disse:
"Chegou
a hora de conversarmos um pouco sobre as mulheres."
E logo
esclareceu:
Bem
sobre as mulheres, em geral."
(Eu já
tinha trinta e seis anos de idade, estava casado havia quinze e era pai de duas
filhas adolescentes.)
Meu avô
deu um profundo suspiro, uma tossidinha discretamente protegida pela palma da
mão, endireitou a gravata, pigarreou duas vezes e disse afinal:
"Bem,
a mulher sempre me interessou. Isto é, sempre. Você que não me venha de jeito
nenhum entender coisas feias! 0 que eu estou dizendo é algo completamente
diferente. Bem, só estou dizendo que a mulher sempre me interessou Não, não a
'questão feminina'! Nada disso, a mulher como pessoa”.
Sorriu
e consertou a frase:
"Bem,
sempre me interessou em diversos aspectos. Durante toda a vida sempre observei
as mulheres. Sempre, mesmo quando era apenas um pequeno tchildak, um molequinho. E daí que, não, não, de jeito nenhum,
nunca olhei para uma mulher como um pashkudníak,
um cafajeste, nada disso, sempre olhei com todo o respeito. Olhando e
aprendendo. Bem, e o que aprendi, é isso que quero ensinar a você agora. Então,
preste toda a atenção, é assim:"
Interrompeu‑se
e olhou bem para um lado e depois para o outro, como se quisesse se certificar
de que realmente estávamos a sós. Sem nenhum ouvido estranho. Só nós dois. Deu
uma tossidinha.
"A
mulher", disse ele, "bem, em alguns aspectos ela é igualzinha a nós.
Como nós, igualzinha. Mas em alguns outros aspectos", continuou, "a
mulher é completamente diferente. Nada, nada parecida conosco”.
Aqui
ele fez uma pausa e de novo pensou um pouco, talvez evocando lembranças,
imagens, a face se iluminou com o seu sorriso infantil, e finalizou assim sua
tese:
"Mas
é aí que está: em quais aspectos a mulher é exatamente igual a nós e em quais
ela é muito diferente de nós? Bem, sobre essa questão", encerrou o assunto
e se levantou, "sobre essa questão eu prossigo trabalhando."
Tinha
noventa e três anos de idade, e é provável que tenha continuado o seu
“trabalho” sobre esta questão até o ultimo dia. Eu também ainda trabalho nessa
questão.”
E eu
aqui, esperando viver até os 100 anos... solto um UFA!!!! Tenho muito tempo ainda pra trabalhar esta
questão!