Alceste e Admeto
Ultimamente tenho comparando os mitos com fatos cotidianos que vejo impressos nas paginas de jornais diários achei e já publiquei por aqui Antígona, Medeia e comparei a situação política que vivemos com um período da Roma antiga e o discurso de Cícero contra Catilina. Esse exercício me faz acreditar cada vez mais que os antigos deuses ainda vivem e nós nos negamos a perceber isto, pois por nossa mente foi condicionada para não ver, nem ouvir nada além da racionalidade imposta pela filosofia e a religião.
Lemos mitos e contos, como uma forma de nos dar um consolo, pois vemos histórias de amores impossíveis, heróis invencíveis e de ideais que revolucionaram o mundo, não para seguir seus exemplos, mas sim para dar ao nosso cérebro a porção de fantasia que ele precisa para encarar a realidade de nosso dia a dia. Não ousamos viver os nossos ideais, não vivemos a eternidade do amor nem acreditamos nos deuses que falam diretamente nas nossas conciencias. Sonhamos e ao acordar as imagens dos sonhos se esvanescem, nos apaixonamos, mas temos tanto medo do amor que logo acorrentamos a paixão e a sufocamos com racionalidades.
Poderia falar horas sobre isto, porém, quero falar de mais uma noticia no jornal, no estadão de ontem vi esta foto aí em cima com um artigo de Jose Sousa Martins – Professor Titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. Neste artigo ele falava de um Tumulo esculpido por Alfredo Oliane que está localizado no Cemitério São Paulo onde descansa o casal Antônio e Maria Cantanella. Encomendada por Maria esta estatua ao contrario do que parece a primeira vista, não representa Antonio atormentado pela morte de sua esposa. Alfredo Oliane, o escultor fez uma das mais belas e comoventes representações do amor carnal e da dor separação. Nela se vê um homem atlético reclinado apaixonadamente beijando uma mulher morta.
Mas como ocorre muitas vezes a realidade é diferente da representação, quando foi concluída a estatua representava algo semelhante à lenda de Alceste e Admeto, onde a esposa Alceste entrega sua vida para que o seu marido Admeto, o Rei das Feras e amante de Apolo, viva o tempo que ela ainda teria de vida.
Maria pediu ao escultor que representasse o seu marido vivo e no vigor de suas forças e plenitude física e ela morta, pois é assim que ela se sentia. Para ela o falecimento de Antonio foi sua própria morte e o restante dos quarenta anos (ela era mais nova que ele) que ela ainda viveria seriam para manter viva a imagem e a lembrança do seu amado esposo, mantendo ele vivo, ela morria para o mundo.
A força desta escultura e das palavras que podem ser lidas, nos epitáfios de ambos, celebra um amor que nem mesmo a morte conseguiu destruir, Ele vivo e sexualmente potente dentro dela da sua alma ainda que morto e ela desejada ainda que morta, mas viva. Um amor que vai alem das fronteiras da vida e da morte, um amor que continua vivo mesmo depois da morte de ambos pois todos que se lembram da história sentem inveja de não ter um amor assim, ou se envergonham de não terem coragem de amar desta maneira.
Como disse antes, nos encantamos com mitos e histórias de grandes amores, mas fugimos aterrorizados diante das paixões impossíveis, com medo da dor da perda, muito antes da perda realmente acontecer.
Maria gravou na pedra sua declaração de amor a Antonio, para que suas palavras pendurassem no tempo e não fossem esquecidas pelos que ali passassem:
“Ó Nino, meu eterno esposo, meu guia e motivo eterno da minha saudade e de meu pranto.Tributo de Maria”
Quando do falecimento de Maria os familiares gravaram o seu testemunho:
“Aqui repousa Maria Cantarella ao lado de seu inseparável e amado esposo”
Tantos buscam lendas, falam dos túmulos míticos de Tristão e Isolda, fazem juras de amor como Romeu e Julieta, mas não sabem que se entrarem pelo portão lateral do Cemitério São Paulo na Rua Cardeal Arcoverde poderão por rosas vermelhas num tumulo real de pessoas reais que viveram nesta cidade e nos deixaram um legado de amor e de eternidade.
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
Futuros amantes Chico Buarque/1993
Bem... se preferirem temas mais mitológicos, no Cemitério da Consolação existe uma escultura de Nicolau Rollo representando Orfeu e Eurídice.