quinta-feira, julho 28, 2005

Perolas são para Poucos




Um dos spans que mais detesto, entre centenas de mensagens edificantes que pregam a bondade, o amor e a humildade, é aquele que fala que as perolas são fruto de ostras sofredoras, pois ostras felizes não fazem perolas.
Alem de um QI de ostra quem repassa coisas como esta com certeza nem leu direito o que está escrito, afinal o que existe de bonito ou de edificante no fato que só sofrendo muito, é que conseguimos produzir beleza.
Sempre achei que é um instrumento de dominação esta história de que somente o sofrimento nos redime, que apenas sendo um sofredor podemos pleitear um lugar no paraíso. E o que podemos entender é que sendo felizes seremos como as ostras felizes nunca produziremos uma perola, pois esta é a paga dos infelizes.
Também não entendo isto, afinal tive uma mulher que adorava perolas, e algumas vezes dei perolas para ela, e ela ficou muito feliz em recebê-las, creio que nem pensou no sofrimento das ostras, para produzir aquelas perolas. E o pior,um dos colares que dei, era enorme de perolas cultivadas, ou seja homens, jogaram dento da ostra uma conta, que se transforma em perola depois de algum tempo.
O que será que uma ostra sente quando um grão de areia se aloja nela? Ou o que será que ela sente quando sua concha é aberta e é arrancada com os dentes antes de ser mastigada e engolida.
Crueldade das mulheres que adoram perolas e crueldade dos homens que comem as outras cruas, para lembrar de suas mulheres, no aroma e no sabor da ostra. Se todos não gostassem de mulher como os comedores de ostra com limão, que na verdade engolem a ostra rapidamente e ficam apenas com o acético sabor do limão na boca.
Já os que gostam de ostra e de mulheres, foram possivelmente os que descobriram a perola, pois estes mordem e mastigam ao invés de engolir, buscam reter na sua boca o sabor feminino do mar, e por isto não engoliram as perolas junto com a ostra. Foram presenteados pela deusa mãe com seus tesouros, talvez por gratidão da Terra a um humanos que saboreia e entende o ctônico, e sente saudade do pântano salobro de onde veio a criação.



“O pântano ctônico feminino de Dioniso é habitado por invertebrados silenciosos e pululantes. Sugeri ser justificado o tabu ligado às mulheres, e que a infame “impureza” da menstruação se deve não ao sangue, mas às gelatinas uterinas nesse sangue. O pântano primevo é coalhado de albumina menstrual, a morna matriz da natureza, fervilhante de algas e bactérias. Temos uma comida que simboliza esse pântano: a ostra crua na concha. Há vinte anos, notei as fortes reações provocadas por esse pitéu, a que poucos são indiferentes. As atitudes comuns vão do êxtase à repulsa. Por quê? A ostra é um microscomo da higra physis feminina. É tão estética e psicologicamente inquietante quanto o albúmen menstrual. A informidade primitiva da ostra dá acesso sensual a alguma arcaica experiência do pântano.
A Vênus de Botticelli chega à praia numa concha. O amor sexual é um mergulho oceânico no atemporal e elemental. G. Wilson Knight diz: "A vida surgiu do mar. Nossos corpos são três partes água, e nossas mentes compostas de salgadas luxúrias" O corpo da mulher recende a mar. Ferenczi diz: "A secreção genital da fêmea entre os mamíferos superiores e humanos tem um distinto odor de peixe (odor de salmoura de arenque), segundo a descrição dos fisiologistas; esse odor da vagina vem da mesma substância (trimetilamina) a que a decomposição do peixe dá origem". Estou convencida de que as ostras cruas têm um caráter cunilingual latente, que muitos acham repugnante. Comer uma ostra recém-matada, mal morta, é um mergulho bárbaro, amoroso, no frio mar salgado da natureza”.
(Camile Paglia, em Personas sexuais)

quarta-feira, julho 20, 2005

Palavras Caladas



É estranho como as vezes como que do nada, através de uma musica, um cheiro, foto ou algum pequeno fragmento de memória nos acerta antes mesmo que a gente perceba, um vórtice nos atinge e em átimos de segundos somos arrebatados por uma fenda do tempo e revivemos uma situação ocorrida a milênios, quando a terra ainda era nova e eu anda acreditava em morrer de amor, coisa que pra quem leu o post abaixo sabe que não acredito mais. Porém quando estes loucos déjà vus criam um verdadeiro rendez-vous com nosso próprio passado.
Assim quando querendo assistir Ray, os primeiros acordes de piano, de Georgia On My Mind, me levaram para o primeiro ano da Década 70’ em Peruibe, litoral sul de São Paulo, num bar chamado Play Bar onde um conjunto chamado os Condors tocaram a musica, que me fez atravessar a pista e tirar uma moça pra dançar.
Uma deusa, cabelos castanhos escuros numa longa trança, grandona, um rosto misterioso, que conhecia aqui de Sampa, mas que até aquele momento não acreditava ter nenhuma chance. Mas acaso ou vontade dos deuses, ou o apelo da musica, mal começamos a dançar, nos agarramos e os lábios se tocaram, para que os beijos engolissem todas as palavras que poderiam ser ditas, e da pista de dança para um canto do bar, do bar pra praia e nossas bocas que nada falavam se consumiam ávidas, como se de cada beijo dependesse a vida. Respirávamos o ar um do outro e nossa saliva era a mais alucinante das bebidas que como um rápido vício criava dependência fazendo que fosse impossível falar sobre o que sentíamos.
Selamos com beijos a paixão, tudo que poderia ser dito foi falado através de toques, leves mordidas e lambidas. Uma noite inteira de beijos apaixonados repleta de desejos incontidos e promessas explicitadas em sussurros inaudíveis o que permitia que todos os sonhos fossem verdadeiros, e que todas as promessas que não foram feitas tivessem chance de serem cumpridas.
Mas naquela época eu acreditava que podia morrer de amor, e na semana seguinte quando voltei a praia para reencontra-la, já conheci outra no caminho, mas ainda assim passamos mais uma noite de beijos( poucas garotas faziam sexo em 1971) e na terceira viagem, ela foi que já estava conhecendo outro, e pra não ficar sozinho, também fiquei com outra.
Quem sabe se o medo de morrer de amor, afastou a gente, o medo de amar o medo de se entregar, de fechar os olhos e largar o corpo para trás sabendo que alguém que você confia estará ali, sempre pronta para te segurar antes que a cabeça se espatife no chão.
É claro que as vezes os deuses nos dão uma chance, e fazem com que algumas situações se repitam. É claro que a musica, o local e a pessoa não são mais a mesma, mas é nos dado uma nova oportunidade e agora passando tanto tempo, arriscar mais, e não fugir e quem sabe, o que não ocorreu com Georgia On My Mind, possa ocorrer com What Am I toYou? Cantado pela Norah Jones ? Afinal uma noite de beijos e de promessas caladas valem tanto, nestes tempos de palavras vazias, e os sentimentos e os sentidos valem muito mais que as palavras e os signos que esta carregam.


O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre
Composição: B. Guedes/F. Brant


O medo de amar é o medo de ser
Livre para o que der e vier
Livre para sempre estar onde o justo estiver
O medo de amar é o medo de ter
De a todo momento escolher
Com acerto e precisão a melhor direção
O sol levantou mais cedo e quis
Em nossa casa fechada entrar
Prá ficar
O medo de amar é não arriscar
Esperando que façam por nós
O que é nosso dever: recusar o poder
O sol levantou mais cedo e cegou
O medo nos olhos de quem foi ver
Tanta luz

quarta-feira, julho 13, 2005

Amar o amor.



Quando descobri que não morreria de amor, percebi que podia amar muito mais, pois perdi o medo de amar.

Antes de tomar a consciência disso claro que doeu muito, e varias vezes acreditei que o amor me mataria, mas, por mais que doesse, não matava, por mais que o mundo ficasse escuro e sem graça eu também não me matava. E continuando vivo encontrava um novo amor.

E de paixão em paixão percebi que o amor, já que não matava, também ele não morria, vivia pra sempre. E percebi então, que podia continuar amando até mesmo com os amores que antes acreditei que me matariam, e estes já não incomodavam, mas sim, davam força para que eu continuasse amando cada vez mais e com mais intensidade.

O amor não morre quando uma relação acaba, ele continua vivo, e quando não aceitamos isto, o trocamos por ódio, desilusão e angustia, apenas porque não suportamos o simples fato de que a vida continua, e quem tanto quem amamos, possa ser feliz longe de nós. Somente o tempo nos mostra que também seremos felizes com novos amores, e bastando para isto dar uma oportunidade ao amor.

Quando não renegamos o amor ou fugimos dele, este passa a fazer parte da nossa vida e podemos amar quem já não convive conosco. Não amamos o passado, afinal o passado é o que deixou de existir e os momentos de amor que tivemos não deixarão de existir, continuarão vivos enquanto durar nossa existência, pois todo momento de amor é eterno e é quase impossível nos esquecermos deles, já que se entranham no nosso corpo e alma, se fundem a nós permanecendo sempre em nossas lembranças.

Assim de amor em amor, acumulando momentos e lembranças nos aperfeiçoam na arte de amar e amamos com mais intensidade, pois como dizia o Poetinha sobre o amor que teve: Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.

Assim a cada amor aprendemos a amar mais e a cada novo amor o fazemos com mais intensidade, pois quando percebemos que amor não mata, passamos a viver de amor.


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

terça-feira, julho 05, 2005

O Tempo



Hoje acordei e percebi que o mês havia passado sem que eu me desse conta.
Fora as contas que vencem mensalmente, nada mais indicava a passagem do tempo.
Não deu pra perceber que envelheci um mês, afinal já tantas cãs povoam minha cabeça que é impossível perceber se há novas, nem as poucas rugas que tenho (pelo menos eu não as vejo, devo ter me acostumado.), mas de qualquer forma o mês de junho passou sem que eu percebesse e já adentramos em julho.
E não foi apenas isto, foi um pouco mais, Maio também passou muito rápido, possivelmente Abril, Março, Fevereiro e Janeiro também, como se o tempo estivesse descontrolado e voraz como só mesmo o Tempo pode ser. Este abocanha rapidamente e engole as mordidas que dá na minha vida. E percebi que este ano inteiro que passou, e quem sabe o anterior também passaram rápida e placidamente, como nuvens que cortam o céu, sem rastros ou marcas, simplesmente se foram.
Será que vivi com tanta intensidade este ultimo ano, de uma maneira que dias e noites se fundiram com as semanas e quinzenas ?
Bem, pode ter sido isto, de certa forma fui voraz no amor. Amei com bastante força e intensidade este ultimo ano. Escrevi pouco, vi menos filmes, deixei realmente menos rastros de minha passagem na vida. Guardei poucas lembranças, já que neste período, tudo é tão vivo e presente, que nem gastei memória. Os cheiros do amor no quarto, nos lençóis encharcados de suor e impregnados de nós. O calor que fica na cama mesmo depois que ela se vai (onde me aconchego para sonhar com o que acabei de viver). O rastro de roupas, os sapatos e carregadores de celular esquecidos displicentemente pelo quarto, acrescidos pelo desejo de sua volta, não deixam que eu guarde na lembrança as noites que passam, pois só penso nas noites que ainda não vieram, não me lembro do que fizemos, pois só penso no que ainda faremos.
Talvez seja isto, tanto estou no futuro que o tempo passa ao meu redor e não me atinge. Esta sede, creio, faz com que as cãs retrocedem, afinal os velhos é que pensam no passado, eu só penso no futuro. Que é a próxima noite, ou seja Hoje.