sexta-feira, setembro 30, 2005

Corpo e Fala



É na sua arte que o artista encontra, pela imaginação,
um feliz compromisso com tudo quanto o feriu na vida
cotidiana, e não para escapar ao seu destino, como faz
o homem vulgar, mas para realiza-lo da forma mais adequada
e completa que lhe for possível. Senão, porque haveríamos
de ferir uns aos outros? Não, a Paz que eu procuro nunca
será dada, nem pelos olhos de Melissa onde a temperatura
brilhava, nem pelas pupilas ardentes e negras de Justine.
Tomamos todos nós, caminhos diferentes; mas aqui no
primeiro desastre da idade madura, sinto que a recordação
delas enriquece e aprofunda, para além de todos os limites,
os confins da minha arte da minha vida.
(Lawrence Durrell , Justine, 1º volume do Quarteto de Alexandria)



Eu não me sinto nem alegre nem triste; estou suspenso no ar como uma paina que é levada ao sabor das brisas pelos meandros da minha mente.
Como culpar alguém, pelo que aprendemos na juventude da nossa espécie? Durante o longo período glacial, os homens da Idade da rena os caçadores conversavam por sinais corporais, afinal, muito cedo os animais aprenderam a temer os sons humanos, e assim as caçadas eram em silencio, durante o cerco e a escolha do animal apenas sinais, jeitos de corpo e expressões faciais. Já as mulheres como coletoras desenvolveram a fala, para trocar informações sobre o que coletavam. Quem sabe por isto mulheres precisam tanto de palavras, que também são signos e sinais.

Assim enquanto o corpo masculino fala mais que o feminino, sutilezas que nos voltam do fundo da mente, e como o nosso corpo fala e para a linguagem do corpo não existem sinônimos nem tampouco variações de duplo sentido, o corpo fala e tudo que ele diz é verdade. Muitas vezes a mente masculina trava nas palavras, porem a pele e os músculos dizem tudo que queremos dizer.

Mas as mulheres precisam das palavras, ainda que tremendamente enganadoras, pois podemos falar uma coisa e dizer outra, e como palavras são signos elas se guiam por estes sinais. Um bom discurso romântico, por vezes diz mais a elas que todo o envolvimento de um abraço e beijos podem dizer mais que uma coletânea de poesias.

Muitas vezes quando pretendo ser inteiramente sincero, fujo das palavras, até porque o corpo nunca mente. Podemos até mesmo ser atletas sexuais, e podemos dançar uma coreografia de conquista, porem saciado o desejo nosso corpo rejeita ao outro, em gestos involuntários de recusa. Mas se soubermos trabalhar com as palavras e seus muitos significados, podemos ter melhores resultados, que um envolvimento e perfeito encaixe físico. Vai ver que é por isto que enquanto as mulheres buscam discutir a Relação, nós homens preferimos o corpo a corpo

Como hoje meu corpo que dizer mais que as palavras fiquem com John Donne poeta inglês nascido em 1572, e suas Elegias Amorosas, mais precisamente a Elegia XX – “A guerra do Amor” onde depois da conquista vem a o ato sexual, e neste ouçam este poeta que fala tão bem palavras, sobre dois corpos, que nem precisam de palavras.

Até que esteja em paz contigo, guerreia outros homens,
E quando eu tiver paz, poderei então deixar-te?
Todas as outras Guerras são escrupulosas; só tu
Ó bela Cidade franca, a ti própria te deves abrir

5 A quem quiseres: na Flandres, quem pode dizer
Se o Senhor oprime; ou os homens se revoltam?
Só nós sabemos, o que dizem todos os idiotas,
Sofre mais golpes quem participa na refrega.
A França na sua frivolidade lunática odiou

10 Sempre os nossos homens, sim, e o nosso Deus recente;
Porém confia bem nos nossos Anjos,
Que nunca voltam; não mais do que os que caíram.
A Irlanda doente está possuída de uma estranha guerra
Igual a uma Sezão - agora furiosa, agora em repouso

15 Que o tempo curará; porém far-lhe-ia bem
Se fosse purgada, e se da vã cabeça sangrasse.
As alegrias de Midas dão-nos as viagens a Espanha,
Tudo o que tocamos é ouro, mas não há comida para viver.
E no clima quente e abrasador eu ficaria

20 Reduzido a pó e cinzas antes do meu tempo.
Engaiolar-me num navio, é sujeitar-me
A urna prisão, com hipóteses de ruir;
Ou num claustro; só que ali os homens meditam
Num céu calmo, e aqui num inferno elegante.

25 Viagens longas são longas destruições,
E os navios são carretas para execuções.
Sim, elas são Mortes; Não a mesma coisa voar
Para um outro mundo, como o é morrer?
Aqui deixa-me guerrear; deixa-me ficar nestes braços;

30 Deixa-me parlamentar, arrombar, sangrar e desfalecer.
Os teus braços prendem-me, e os meus a ti;
O teu coração é o teu resgate; toma o meu por mim.
Outros homens guerreiam para o seu descanso conquistar;
Mas nós descansaremos para podermos de novo lutar.

35 Aqueles guerreiam os ignorantes, estes o experiente amor,
Ali estamos sempre vencidos, aqui vencedores.
Ali os Engenhos distantes suscitam um vero e justo medo,
Mais perto estocadas, piques, punhaladas ou balas não ferem aqui.
Ali é errado estar deitado; aqui é seguro ficar erecto;

40 Ali homens matam homens, nós faremos um de cada vez.
Tu nada; eu nestas guerras nem metade farei
Do quanto farão aqueles que de nós dois
Vão nascer. Milhares vemos que não partem
Para as guerras; mas, espadas, armas e balas

41 Em casa ficam a fabricar. Não farei então eu
Serviço, mais glorioso ficando para fazer homens?
(John Donne Elegias Amorosas)

terça-feira, setembro 27, 2005

Tudo Ficou no Lugar



Deusa, depois que nos separamos, desde o seu retrato na penteadeira, até o saco plástico com os livros que você me devolveu. Outras coisas ainda permanecem, um suave cheiro de canela, que chega as minhas narinas, daquelas flores secas que você me deu junto com a caneca de corações, ainda bebo meu café diariamente nela. Dedicatórias em livros que amo, tanto porque foram desejados, quanto por sua vontade de que nos péssimos momentos que vi não ficasse sem os meus desejos literários. Seu tubo de Hair Spray ainda na penteadeira, perto do seu sorriso, que olho todas as noites antes de dormir.

Na solidão das noites frias, encolhido e coberto, os lençóis não impedem que algo do aroma de nós dois, impregnado no colchão transcenda a fina barreira da cambraia, e durmo com você nos meus pensamentos, noite após noite, por sorte você ainda não invadiu meus sonhos, afinal, no sono é o único período do dia em que não penso em você. Ainda que acorde durante a noite, buscando seu corpo no pequeno retângulo da cama, até que volte das profundezas da mente e perceba que você não está mais lá e que vai ser difícil voltar.

Mas como você bem lembrou, eu sempre dizia, que a vida é feita de escolhas e eu escolhi te perder. Uma escolha dificil, entre a minha felicidade ou a sua, e eu preferi a sua. Já vivi tanto e tantas coisas que me trouxeram alegria e ventura, que de forma nenhuma pelo que eu sentia por você eu poderia ser tão egoísta nesta hora, afinal eu não podia alimentar sonhos que quem sabe eu não deveria mais sonhar.

Não, não abdiquei dos meus sonhos, mas sim, liberei você para os seus, para que você siga o seu caminho com os planos que você já tinha antes de me conhecer. Se minha escolha foi certa ou errada o tempo deve dizer, o tempo é o senhor da verdade só mesmo ele nos mostra a verdade. Porem... isto agora não importa tanto, oxalá você realize todos os seus desejos, e eu mais tarde te encontre radiante e feliz, pois apenas isto vai dizer que minha escolha foi acertada.

Sinto muito sua falta, mas como já disse antes, sei que jamais vou morrer de amor, embora em alguns momentos parece que errei ao falar isto.

Eu quero que você siga a sua vida e seus planos, mas, se você ainda acreditar que eu sou a sua vida, que ainda podemos fundir nossos sonhos, volta, nada mudou tudo ficou no lugar, você ainda é única.

Nada Ficou No Lugar
Adriana Calcanhotto

Nada ficou no lugar
Eu quero quebrar essas chícaras
Eu vou enganar o diabo
Eu quero acordar sua família

Eu vou escrever no seu muro
E violentar o seu rosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu já arranhei os seus discos

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha pra mim

Nada ficou no lugar
Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua aula
Queria falar sua língua

Eu vou publicar os seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha pra mim

terça-feira, setembro 13, 2005

Pesos e Medidas



“O corpo, devido ao peso, tende para o lugar que lhe é próprio, porque o peso não só tende para baixo, mas também para o lugar que lhe é próprio. Assim o fogo encaminha-se para cima, e a pedra para baixo. O azeite derramado sobre a água aflora à superfície; a água vertida sobre o azeite submerge-se debaixo deste: movem-se segundo o seu peso e dirigem-se para o lugar que lhes compete. As coisas que não estão no próprio lugar agitam-se, mas quando o encontram, ordenam-se e repousam.
O meu amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva.”( Sto. Agostinho- Confissões)


É incrível, mas limitados como somos. Nós humanos, nos julgamos capazes de dar pesos e medidas para coisas tão sagradas quanto o amor. Em jogos românticos, ficamos dizendo e abrindo os braços, tentando dar medida ao nosso amor que muitas vezes naqueles momentos é maior que todo o universo.

Discutimos e apontamos o dedo dizendo ao companheiro/a; que nós o amamos muito mais que este nos amou, ou que nunca ele/a nos amou de verdade.

Medimos o amor segundo os nossos conceitos, e dificilmente tentamos sentir com a experiência do outro, usamos nosso referencial e esquecemos que falamos de outra pessoas, que viveu uma outra vida, geralmente muito diferente da nossa.

Estas desmedidas medidas que muitas vezes usamos, nos afasta de quem amamos, pois quando medimos ou damos pesos para sentimentos, esquecemos que estes são coisas impalpáveis e que portanto não podem ser quantificados por nossa limitada mente.

Podemos apenas falar de nós mesmos e até porque o amor é confiança, e se não confiamos no amor do outro de certa forma é porque duvidamos do nosso próprio querer.

Relembrado neste fim de semana sobre um livro do Jean Paul Sartre, O Ser e O Nada, onde vemos que a razão de ciúmes e desconfianças sobre os amores passados vemos que ocorre é porque enquanto o ser amado, amava no passado, para ele não existíamos, e quando passamos a existir não aceitamos que outros sentimentos e outras pessoas já haviam feito aquele a que amamos sentir emoções que hoje queríamos que fossem todas as emoções e sentimentos fossem todos a nós devotados. Esquecendo que cada amor é único, e que cada sentimento, beijo e sonho é novo, é portanto maior e mais forte do que aqueles do passado.
Aí então pensamos que nossa dor é única e que por não sermos compreendidos e consolados o amor não existe, quando inocentemente aquele que nos ama por nenhum momento acredita que nosso ciúme tenha fundamento, o que só faz a dor aumentar.

Não percebemos em nossa dor, que com o nosso sofrimento causamos dor naquele que só queríamos dar felicidade, mas machucados e doloridos só olhamos para nós mesmos e sentindo pena pela nossa dor nunca imaginamos o quanto isto causa de dor no outro.

Assim, como o amor existe para trazer alegria e prazer, a dor só consegue matar o amor, as vezes devagar com muito sofrimento ou se encontramos alguém que mesmo ferido, não perdeu as esperanças da felicidade, que se vai nos deixando com a nossa dor e sai carregando as suas, já que é um sobrevivente e sabe que que a dor não mata e que um dia acaba.


"Notícia de Jornal"
Luís Reis e Haroldo Barbosa


"Tentou contra a existência
no humilde barracão
Joana de tal,
por causa de um tal João
Depois de medicada,
retirou-se pro seu lar
Aí a notícia carece de exatidão
O lar não mais existe,
ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma
mulata triste que errou
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de João
Ninguém notou
Ninguém morou
Na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal."