Creio que praticamente todas as religiões louvem o fogo. Mesmo nas religiões monoteístas o fogo é disfarçadamente louvado.
O fogo, ou melhor, o seu domínio, separa os homens dos animais, já que estes fogem ao menor odor de fumaça. Deixamos de ser animais ao controlar o fogo, pois este, como todos os demais elementos, pode ser tanto benéfico como altamente maléfico e destruidor.
O fascínio levou os humanos a coletar o fogo dos céus, através dos incêndios causados por raios, e com ele aquecer e proteger suas cavernas e acampamentos. Esta convivência pacífica entre o homem e os elementos nos fez ganhar as noites, antes amedrontadoras. Com a vitória sobre as trevas, os humanos não só ganharam conforto e proteção, mas também ganharam o tempo.
Esta vitória sobre o tempo permitiu que nas horas roubadas das noites eles desenvolvessem suas habilidades vocais, passando a dividir suas experiências com os outros, principalmente para os mais jovens. A narrativa oral e gestual permitiu nossa raça a distanciar-se dos selvagens e a desenvolver novas estratégias para a caça e a alimentação. Alimentos que antes eram impróprios para consumo humano, agora cozidos ampliavam o cardápio de nossos ancestrais, permitindo uma alimentação mais completa.
Portanto podemos vê-lo com uma diversidade de funções e associações e metáforas que usam o fogo como base.
No dicionário Houaiss encontramos mais de 24 significados para a palavra fogo, entre elas Paixão, Amor, Guerra, Paz ou Lar em uma sala com lareira onde uma família aquecida se reúne.
O fogo pode ser tanto luz como luz celestial, quanto as trevas subterrâneas onde as chamas castigam os ímpios, o fogo do Tártaro.
Louvamos o Fogo a partir de quatro divindades greco-romanas:
Hestia/ Vesta – O fogo purificador, o elemento em si das grandes fornalhas estelares.
Dioniso/Pater Liber – O nascido do fogo do raio, que com sua bebida, iguala a todos os homens.
Ares/Marte – O fogo paixão, o calor das batalhas, o fogo destrutivo, o amor que consome, enfim, o fogo que é difícil de controlar.
Hefesto/Vulcano – O fogo que produz, que cria maravilhas, o fogo das forjas que faz o aço, o fogo da inteligência, das artes, o fogo controlado e dosado.
Destes quatro, os dois últimos ganham importância no nosso calendário tropical como fogo novo e fogo velho. Fogo novo é o incontrolável, e fogo velho é o criativo e são lembrados em duas datas.
1 de março, feria igne leni, que é a passagem do vibrante fogo das paixões da primavera/verão para o fogo velho, o fogo criativo e acolhedor do outono/inverno. Nesta data comemoramos o nascimento de Ares/Marte patrono do mês romano de Martius e com o declínio da duração do dia, louvamos o fogo velho, Vulcano, pois é época de pensarmos e ficarmos mais recolhidos.
1 de agosto, este ano antecipado, a feria renovare ignum, quando o fogo incontrolável aparece no prolongamento dos dias antecipando a primavera, época das paixões e trabalhos externos, junto à natureza.
Nestas duas festas temos o período de jejum do fogo, para nos lembrarmos o desconforto de antes do domínio do fogo. Em ambas feriarum, depois do período de jejum, onde nenhum fogo é aceso, nem velas ou fogões, o fogo é recolhido do céu (com lentes) junto ao círculo de Zeus/Jupiter ou, quando está nublado, com a Pedra do Raio (sílex) e a partir deste fogo do céu (fogo divino) é que todos os fogos da casa são acesos.
Ao entardecer, depois de oferendas, este mesmo fogo do altar de Zeus acende a fogueira da festa.
*Pegando o titulo de um conto do Julio Cortázar, mas ele se adapta muito bem a este post
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