A CONCEPÇÃO
que o homem tem de si próprio e de seus semelhantes sempre dependeu da ideia que ele fazia da Terra. Quando a Terra era o Mundo – o tudo todo que existia –
e as estrelas eram luzes do céu de Dante, e o chão debaixo dos pés dos homens
constituía o teto do Inferno, os homens viam-se como criaturas situadas no
centro do universo, constituindo a única e especial preocupação de Deus – e,
desse alto lugar, governavam, conquistavam e matavam como lhes apetecia.
E
quando, séculos após, a Terra já não era mais o Mundo, mas um pequeno e úmido
planeta a girar no sistema solar de uma estrela de pequena magnitude, ao largo
da margem de uma galáxia insignificante nas distancias incomensuráveis do espaço –
quando o céu de Dante desaparecera e já não mais havia Inferno (pelo menos já não havia Inferno debaixo dos pés), os homens começaram
a ver-se, não como atores dirigidos por Deus no centro de um nobre drama, mas
como vitimas indefesas, sendo que milhões deles poderiam ser mortos em amplas
guerras mundiais, em cidades bombardeadas, ou em campos de concentração, sem um pensamento ou uma razão, salvo a razão –
se a chamarmos assim – da força.
Agora,
nas ultimas poucas horas, tal ideia talvez possa ter de novo mudado. Pela
primeira vez em todo o tempo, homens
viram a Terra: viram-na não como continentes ou oceanos vistos da pequena
distancia de 100, 200 ou 300 quilômetros, mas das profundezas do espaço;
viram-na inteira, redonda, bela e pequena como nem mesmo Dante – aquela
“primeira imaginação da Cristandade” –
jamais sonhou vê-la; como os filósofos do absurdo e do desespero do século XX
foram incapazes de supor que ela pudesse ser vista. E, vendo-a assim, uma
pergunta assomou as mentes daqueles que a fitaram. “Será ela habitada? -
perguntaram entre
eles a rir – mas, depois, não riram. que lhes assomou à mente a mais de 160 mil
quilômetros no espaço – “metade do caminho ate a Lua” , como disseram –, o que lhes assomou a mente era a vida naquele pequeno, solitário, flutuante planeta:
aquela minúscula balsa na noite enorme, vazia. “Será ela habitada ?”
A ideia medieval da Terra colocou o
homem no centro de tudo. A ideia nuclear da Terra não o pôs em parte alguma –
colocando-o alem até mesmo do alcance da razão – perdido no absurdo e na
guerra. Esta ultima ideia talvez possa ter outras consequências. Formada como o
foi na mente de viajantes heroicos que eram também homens, ela talvez refaça a nossa imagem da humanidade. Não mais sendo
aquela grotesca figura colocada ao centro, não mais sendo aquela vitima
degradada e degradante posta ao largo das margens da realidade e cega de sangue,
talvez o homem, finalmente, se torne ele próprio.
Ver a Terra como ela realmente e,
pequena, azul e bela no silencio eterno em que flutua, e ver a nos próprios
como passageiros unidos e comuns da Terra, irmãos naquele brilho encantador em
meio do frio eterno – irmãos que sabem, agora, que são verdadeiramente irmãos.