sábado, outubro 06, 2012

Em Busca do Tempo Perdido



Às vezes, como nasceu Eva de uma costela de Adão, nascia uma mulher, durante meu sono, de uma falsa posição de minha coxa. Oriunda do prazer que eu estava a ponto de experimentar, imaginava que era ela que mo oferecia. Meu corpo, que sentia no dela meu próprio calor, procurava juntar‑se‑lhe, e eu despertava. 0 resto dos humanos se me afigurava como coisa muito remota em comparação com aquela mulher que eu havia deixado momentos antes; minha face estava ainda quente de seu beijo e meus mem­bros doloridos pelo peso de seu corpo, Se, como às vezes acontecia, apresentava os traços de alguma mulher a quem conhecera na vi­da, ia dedicar‑me inteiramente a este fim: encontrá‑la, tal como os que empreendem uma viagem para ver com os próprios olhos uma desejada cidade e imaginam que se pode gozar, em uma coisa real, o encanto da coisa sonhada. Pouco a pouco sua lembrança se dissi­pava, e eu esquecia a filha de meu sonho.

(Marcel Proust – No caminho de Swann)

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