segunda-feira, dezembro 31, 2007

It's Too Late Baby


Algumas coisas acontecem quando acertamos um novo rumo para nossas vidas, este ano que se passou, foi um ano de sofrimentos e de acertos, muita coisa boa aconteceu apesar das muitas coisas ruins que passaram pela nossa vida este ano. Mas quem sou eu para reclamar ?
Falar das coisas ruins para justificar algo é perda de tempo, ainda que de muitas preocupações e transtornos, acho que fecho o ano com saldo positivo, afinal o que não nos mata, nos faz mais fortes e crescer dói muito.
Este ano de Zeus que ainda não acabou sem duvida foi um ano de crescimento espiritual e aprendizado. E como aprendi... algumas vezes açoitado pelas Erínias, outras puxado por Afrodite ou até mesmo carregado por Dionisio. Os deuses viveram comigo este ano, estiveram presentes o tempo inteiro, me mostrando erros, me ensinando caminhos e mostrando que muitas das minhas escolhas estavam corretas e muitas foram desastrosas no passado.
Este ano, a partir de março, com o inicio do ano de Pater Júpiter, reformatei meu hard disk, e criei espaço para coisas novas e deixando nos velhos CDs de backup, e não instalando muitos programas viciados que geralmente usava nas horas do aperto. Zerei, comecei de novo...
É complicado, afinal tudo funcionava, tá certo que não era da forma que eu queria, mas funcionava... Apreender o novo, que nunca eu havia visto funcionar era arriscado, mas Júpiter me deu forças para isto, e eu botei fé e arrisquei tudo.
Não posso dizer que já deu certo, mas pelo menos algumas das coisas que mais me faziam falta voltaram a aparecer, antes do natal resolvi pintar novamente, nada muito técnico mas sim algumas aquarelas para agradecer o povo que me acolheu, fazia uns 7 anos que não pegava num pincel, e uns 15 que não lidava com aquarela. Esta semana botei a mão na massa e fizemos artesanato com massa de biscuit.
E teve muitas outras coisas boas este ano firmei um estilo de escrever mitologia, e creio que 2008 saia pelo menos um livro meu.
Mudanças, mudanças e mais mudanças... depois de 30 anos de praticas solitárias, me juntei a um grupo, uma nova familia, gens, clã ou tribo, e com eles aprendi que estava na hora de percorrer um caminho e seguir uma disciplina e jogar fora tudo que eu fazia de indisciplinado ou na louca, muito do que eu ainda fazia, atrapalhava, muito mais que ajudava. Portanto entre o natal e ano novo foi tempo de faxina, limpeza, purificação e uma fogueira com mais de 200 litros de papéis e macumbarias que fui recolhendo por todos cantos da casa. Esta demorou 18 horas pra consumir tudo. Outro tanto foi colocado na porta para que levassem e fizessem uma energia que estava estagnada circular.
Sei que ainda tenho uns meses até o próximo ano, e sei que ainda vai ser difícil passar por eles, mas Zeus é Pai e sei que tudo que aconteceu no ano dele foi ensinamento da melhor qualidade e que a partir de março começo o ano de Pater Gradivus completamente reciclado e pronto para a batalha em busca das minhas vitórias pessoais.
Portanto, espero um pouco mais de paciência dos meus amigos e amigas, meus filhos e filhas e principalmente para a mulher que esteve comigo em momentos de dificuldades e escuridão, pois agora volto renascido e livre.
Já aqueles que apostaram contra, e que buscaram me prejudicar e aos que me rodeiam, só posso mesmo cantarolar:
It's Too Late baby, It's Too Late... agora é tarde acabou...

quarta-feira, dezembro 19, 2007

carta para outra margem do Estinge

Carta de jacques Lacarrière, para o amigo morto, Lawrence Durrell, só para ilustrar o Larry, escreveu o Quarteto de Alexandria onde aborda ensinamentos gnósticos. os quatro livros são geniais, pois cada um deles conta a mesma história, só que com narradores diferentes.

Por diversas vezes escrevi sobre DurrelI, a pedido de, seus amigos franceses e ingleses, testemunhos, lembranças de encontros e reflexões publicados em diferentes revistas. Citarei aqui apenas um desses textos, o meu preferido, pois não é um testemunho, mas um adeus. Um adeus amigável e fraternal. Dirigi a ele, estas linhas algumas semanas depois de sua morte (posso Ihes assegurar que cada uma das palavras aqui pronunciadas e registradas é Verídica.

Carta a Lawrence Durrell

Agora que você alcançou a margem oposta do Estinge, o que separa o mundo em que vivemos por um tempo, daquele em que viveremos todos os tempos, já está mais do que na hora de eu escrever a carta que lhe havia prometido. Ao dizer "está mais do que na Hora" é evidente que estou falando apenas por mim, para quem o tempo é contado, enquanto que o seu, muito certamente, já deixou de sê-lo. Não sei se uma simples carta possibilita atravessar o Estige, ou, pelo menos, abordar-lhe a margem em vida, mas espero que ela consiga encontrá-lo, entre dois passeios herborizantes, nas pradarias de asfódelos.

Lembro que um dia, em Sommières, num daqueles dias em que conversávamos calmamente diante das árvores de seu jardim e de uma bilha avermelhada pelo rosé do Gard, nós, evidentemente, abordamos, como se diz, o tema Grécia. E você, de repente, exclamou:

- Jacques, quando se escolhe viver na Grécia, você sabe tanto quanto eu, não se tem noção de tudo a que se está exposto: não apenas a viver aqui como os gregos vivos, mas a conhecer, após a morte, a sorte dos gregos defuntos: a atravessar o Estige, nós também!

- Então - disse eu -, precisamos recompensar Caronte. Mas como encontrar um óbolo para pagar a passagem? Não existem mais óbolos hoje, nem mesmo na Grécia!

- Escute, Caronte não nasceu ontem! Desde que transporta os mortos de uma margem à outra, ele aprendeu os movimentos do câmbio e o nome das moedas. Tenho certeza de que não recusará um franco ou um dólar.

- Acho que é demais. Ele se contenta com dinheiro miúdo. Um pêni ou um centavo bastará para fechar negócio. Ainda que um centavo seja tão difícil de encontrar quanto um óbolo!

- Isto sempre foi para mim um grande mistério, que Caronte peça uma quantia tão modesta.

- E para que acumular o dinheiro, que está sempre se desvalorizando e mudando ao fim de cada regime? Ele nem tem tempo de gastá-lo: os mortos chegam dia e noite à beira do rio. Eu chego a me perguntar como ele faz para dormir.

- Caronte, meu caro Jacques, é completamente insone, senão não conseguiria muita coisa.

Houve um instante de silêncio sorridente: Caronte passou discretamente, fantasmagoricamente, olhando de soslaio para o garrafão de rosé, cujo nível indicava as águas baixas do Estige. E desapareceu, também com uma espécie de sorriso, o que permitiu que, tanto Larry quanto eu, constatássemos que já não tinha mais um só dente.

- Caronte não é tudo - continuei. - Depois há o cão Cérbero e a descida ao Hades.

- Estou certo, Jacques, de que quando se desembarca do outro lado, o mais difícil já passou. Pois o mais penoso, evidentemente, é mudar de margem, passar de um estado a outro, de um tempo a outro tempo. Parece que isso acontece a partir do momento em que se chega ao meio do rio. A tal ponto que, depois de pisar na outra margem, não se sabe mais de onde se veio.

- Mas como saber que não se sabe mais nada? Ninguém jamais voltou do Hades para nos contar. Salvo Orfeu, porque conseguiu seduzir Perséfone com melodias melífluas ou sentimentais. Mas ele também nada diz sobre o Estige.

- Nesse caso, eu não tenho nenhuma chance de voltar. Eu canto pessimamente. Aliás, pergunto-me o que é que eu poderia cantar para Perséfone. Ela também, assim como Caronte, deve ter evoluído. Tenho certeza de que ela prefere canções modernas às jeremiadas antigas. Honestamente, Jacques, você acha que ela apreciaria os Beatles?

Difícil responder de bate-pronto. Não conheço muito bem o gosto de Perséfone em matéria de música moderna. Mas ninguém como Larry para travar, assim, no tom mais sério do mundo, conversas substanciais sobre temas tão inesperados. Aliás, será tão terrível atravessar o Estige? Larry, Larry em pessoa, descreveu essa navegação com riqueza de detalhes, num texto surpreendente, magnífico, secreto, apaixonante, cheio de humor e esoterismo, um coquetel composto de um dedo de Hermes Trimegisto, dois dedos de Jonathan Swift, uma raspinha de Oscar Wilde, tudo misturado numa coqueteleira em forma de ânfora!

Ouça os conselhos judiciosos que ele dá à sua tia Prudence, que acaba de partir para a grande viagem, antes que ela embarque no Estige, conselhos que valem para todos nós:

"Quando despertares, estarás numa água clara entre duas margens separadas que se afastam até uma vasta linha de horizontes atormentados e encimados por nuvens recortadas. 0 silêncio é tamanho que o som de tua respiração parece extremamente sonoro, forte como um fole de forja. A barca avança com infinita lentidão: terás tempo de descer e examinar esse território, que é, sem dúvida alguma, o mais interessante que já viste. É um universo calcinado, petrificado, reduzido a carbono elementar. Entendes por que não há nenhum som? Não se ouve mais a seiva subindo nas árvores, não se ouve mais o pulso batendo na garganta dos pássaros. Não se ouve mais o verme cego engolir sua partícula de lama. Estão todos aí - as árvores, os pássaros, o verme -, mas, agora, minerais. Tudo está tão silencioso que as uvas brancas do vinhedo luzem como pérolas. E a árvore do fruto proibido está carregada de enormes globos de um minério banal. Aí, se olhares berra, verás que cada maçã é um EL Greco, cada baleia, um Cézanne. Não percas a barca que flutua na correnteza desse universo encantado, pois à sanções. Após alguns instantes nesse lugar, tu te sentirás um pouco mal, cuspirás em teu lenço fragmentos de poeira de diamante e crina de cavalo. Mas não te preocupes. E apenas teu fígado, que se transformou em granito mosqueado.".'

Interrompo aqui essa primeira carta. Estamos, os dois, inclinados sobre a água do Estige, vendo o rio correr, uma água que se tornou escura e lenta. E tia Prudence, na outra margem, avança, tropeçando, em direção a uma silhueta estranhamente parecida com a sua, mas que ela hesita em reconhecer à sua volta há tantas outras silhuetas que tremem e estremecem , e, no entanto, ouço nitidamente seus lábios pálidos articularem, num sopro: "Doctor Durrell, I presume?".

sexta-feira, dezembro 14, 2007

DENTES



O que os dentes estão fazendo num livro como este? Os dentes gregos seriam diferentes de todos os outros dentes do mundo? Claro que não. Menciono-os aqui porque, nos meus tempos de liceu, ao traduzir a Ilíada, reparei numa curiosa expressão usada para dizer a uma pessoa que ela havia ido longe demais em suas palavras: "Infeliz! Que palavra escapou do redil de teus dentes?".

O redil dos dentes! Eu logo imaginava a malta ou o rebanho das palavras, ovelhas ruidosas e fonéticas, empurrando por detrás da cortina dos dentes e passando a conta-gotas, ou melhor, a conta-palavras! Estranha - e figurada - concepção da linguagem, cujo significado implícito parece ser o de que as palavras só têm sentido e alcance uma vez pronunciadas ou proferidas abertamente. Daí palavras simplesmente pensadas mas nunca proferidas não terem existência própria e não poderem ser levadas em consideração. São como um pensamento não formulado, um desejo amordaçado, um gado retido aquém do imenso horizonte da linguagem manifesta.
A ofensa, o insulto eventual, a falta ou o delito começam além do redil dos dentes, além do aprisco palatal! Os gregos - refiro-me aos gregos antigos e, particularmente, aos gregos dos tempos homéricos - não davam, portanto, importância alguma ao pensamento íntimo do sujeito falante, qualquer que fosse sua natureza, enquanto ele estivesse em estado de pensamento mudo. Vê-se logo a diferença, e mesmo o abismo, que separa essa atitude daquela dos futuros cristãos.
Para os cristãos, a falta - ou o pecado - começa na própria fonte da linguagem, no mais íntimo do pensamento ou do desejo que a sustenta. Ver passar uma bela mulher, por exemplo, e começar a desejá-la, é já e em si um pecado. Para os cristãos, o pecado mora no seio dos pensamentos, como o verme na polpa da fruta, sem que seja preciso manifestá-lo. Ele é o irmão gêmeo do silêncio interior. Que abismo entre isso e a tolerância, a inocência do paganismo, para o qual nenhum pensamento não formulado publicamente pode ser repreensível!
Todo desejo que permanece ou tenha permanecido desejo está aquém do pecado, da falta. 0 redil dos dentes existe para impedir que ele se torne ofensa, provocação, que se transforme em ato. Aqui, naqueles tempos homéricos e talvez também em tempos mais tardios, os pensamentos - mesmo os mais impuros ou agressivos - guardam sua inocência e seu mistério como tantas ovelhas dóceis silenciosamente passando por detrás do redil dos dentes.
( Do Livro Grecia Um Olhar Amoroso de Jacques Lacarrièle)

Justiça


Pois é enquanto os grupinhos pagãos ficam brigando...

O Conselho Nacional de Justiça abriu ontem (semana passada) processo disciplinar contra o juiz de Sete Lagoas (MG) Edilson Rumbelsperger Rodrigues, que qualificou a Lei Maria da Penha de "conjunto de regras diabólicas" em várias sentenças nas quais negou proteção a mulheres vítimas de violência doméstica.
A decisão foi unânime. Os conselheiros entenderam que o juiz excedeu-se na linguagem utilizada nas decisões judiciais.
Se ao final do processo ele for condenado por desvio de conduta, a punição máxima será a aposentadoria compulsória, com remuneração. Rumbelsperger Rodrigues prestou explicações ao CNJ. Disse que fez análise "filosófica" sobre a lei para não se ater a análise puramente jurídico-constitucional e negou intenção de agradar ou ferir alguém.
O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Cesar Asfor Rocha, que integra o CNJ como corregedor-nacional de Justiça, começou a examinar o caso há um mês, depois que a Folha publicou reportagem revelando o teor de uma sentença de 12 de fevereiro último.
"Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões", afirmou o juiz.
Ele disse ainda:
"A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!"
A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) aumentou no país o rigor nas penas para agressões contra a mulher no lar, além de fornecer instrumentos para ajudar a coibir esse tipo de violência.
A corregedoria do Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia arquivado pedido de abertura de processo contra Rumbelsperger Rodrigues afirmando que nenhum juiz pode ser prejudicado por opiniões expressas em sentença.
Ontem, o CNJ aprovou a revisão da decisão do TJ-MG. Os conselheiros disseram que a imunidade do magistrado não é absoluta. "O juiz, como todo agente público, está sujeito aos preceitos éticos, inserindo-se aí a vedação de uso de linguagem excessiva em seu discurso judiciário", afirmou Asfor Rocha.
Na mesma linha, o conselheiro do CNJ e ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) João Oreste Dalazen afirmou: "Não há direito absoluto para constituir sinal verde à destemperança verbal".
A Folha não conseguiu localizar o juiz no começo da noite de ontem. No fórum de Sete Lagoas e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ninguém foi encontrado para falar sobre o assunto.


Colaborou FELIPE BÄCHTOLD, da Agência Folha