Um grito foi tudo que ficou no ar. Um grito que a menina que colhia jacintos, deixou no ar como um aviso a sua mãe de que ela já não caminhava na luz, alguns disseram que este grito foi de terror e medo ao ver-se arrebatada pelo auriga de uma escura quadriga de corcéis negros, outros que o grito foi de horror por se ver refletida nas negras pupilas cercadas pelas Íris amarelas de seu captor, e ao ver-se assombrou-se por perceber que ela a partir daquele momento este seria o seu nome, Core, a menina dos olhos do senhor dos subterrâneos.
A loura Deméter, ao ouvir o grito o reconheceu como vindo de sua filha, mas não conseguiu perceber de que direção vinha, o que aumentou seu desespero, rasgou suas roupas e as lançou aos ventos e por onde Boreas, Zéfiro, Euro e Notos, por onde carregavam os restos da roupas da poderosa deusa, levavam a dor de uma mãe ferida, a dor de Gaia e Rea, que antes viam seus filhos aprisionados ou comidos pelo pai, a dor que revertia o cio da terra, que fazia a vegetação e as espigas morrerem e a crosta da terra endurecer-se, para que não mais as sementes a penetrem e arrebentem. A dor da mãe transformou a terra em deserto de onde a vegetação fenecia e secava. Deméter desesperada correu o mundo perguntando por sua filha e ninguém sabia onde ela poderia estar. A deusa dos dourados cabelos de trigo, vestiu se de luto azul, cobriu a cabeça e decidiu que toda a flora morreria, por sua ferida, pela sua filha desaparecida. Vestiu se de azul, caminhou nove dias e nove noites, indagou aos pássaros, aos animais e aos elementos, e nenhuma pista de sua menina. Ao Olimpo, apenas o choro nos mortais chegava, nenhuma fumaça de sacrifício, nem o cheiro da gordura, e tampouco os cânticos ou louvores, apenas as lamentações e a raiva dos humanos por tão repentino castigo, a morte da terra e de toda a criação.
Até então ninguém sabia o motivo de tanta dor, pois a boca da loura dona das espigas e do pão se fechara, e dela nem mais nenhum gemido se ouvira. De seus olhos nenhuma lagrima rolara, nem tristeza, nem revolta, apenas a determinação de que nenhum imortal recebesse nada, nenhuma oferta dos humanos, enquanto a alegria não voltasse aos seus olhos, enquanto Perséfone não voltasse a luz.
Os olímpicos se desesperavam, pois nem mesmo Zeus tinha o poder de destruir assim todas as graças de Gaia, se olhavam assustados. Que poder antigo havia sido desperto para que a Gaia ressecasse seu ventre como se ainda estivesse envolta por Urano,e nenhum de seus filhos pudessem ter vindo a luz, e a terra morria como se dela nunca nada tivesse brotado.
Apenas uma filha dos titãs, que do submundo havia visto os ínferos se abrirem, e Hades, o invisível, sair e voltar rapidamente com sua presa e a terra novamente fechar-se silenciando o grito, e deixando penetrar a vida na terra dos mortos. Isto iniciaria uma nova era e um novo regime ao mundo, mas se ela não agisse logo o Orco receberia todos os habitantes da superfície, e nenhum reino ainda existiria na superfície da terra, e Gaia seria apenas, a cobertura do imenso reino de Dite. Hécate correu a Hélios o titã que tudo via, e pediu que ele mostrasse onde Démeter estaria com sua dor. Porem antes foi saber de Perséfone se ela sofria ou estava feliz com seu cativeiro.
Correu para a superfície e buscou Iaco, filho de Dionisio com Aura, conhecido como aquele que traz a felicidade, pois sendo salvo da mãe que pisoteava seu irmão gêmeo, por Ártemis, que engendrara o plano de Dionisio, estuprar Aura. uma de suas ninfas que a ofendera, se dizendo mais desejável que a senhora das feras e infalível flecheira. Quando esta guardou Iaco sob suas vestes, o recém nascido, ávido pela vida, grudou sua boca nos seus seios de virgem de Ártemis até que deles jorrasse o leite que o alimentou. Levado por ela a Atena, pois Aura, corria possessa pela floresta, atingindo e matando todos os animais com sua lança ou flechas. Novamente a fome de Iaco, falou mais alto, e também tirou leite dos seios pequenos e fortes da deusa da sabedoria. Assim amamentado pelo leite de duas virgens que julgavam isto impossível acontecer, darem a vida e o alimento para este pequeno deus, que por esta alegria dada a elas se tornou conhecido por trazer a felicidade.
Carregando Iaco pelas mãos tomou a forma de Baubó, um feiticeira, uma das muitas que assumia quando na superfície e correndo para a pedra onde Deméter estava imobilizada após os nove dias de busca, Hécate contou para ela o destino de sua filha, que estava feliz pelo seu novo reino e com a possibilidade de existir um novo regime, pela vida ter entrado no reino dos mortos, fazendo que a partir de então os humanos renascessem da morte, assumindo novos corpos, e buscando o conhecimento em cada vida ao invés de apodrecerem, e se dissolverem, no Hades. Apenas uma coisa agoniava Perséfone, a saudade de sua mãe Deméter, que a fazia sofrer e chorar.
A deusa dos cereais não moveu um músculo de rua face fechada, numa mascara de dor, como se fosse de pedra, moveu apenas os olhos quando soube que sua filha sofria de saudade, assim ela não daria este novo regime de morte para os humanos, eles que morressem todos de fome na terra e que seus corpos e almas se dissolvessem nas profundezas do tártaro.
Para ela, a única coisa que queria era sua filha voltasse à luz ainda que para isto, todos os humanos morressem, e que os deuses sem culto se revoltassem contra aquele que roubou sua filha e contra aquele que permitiu que isto acontecesse, pois ainda que estes fossem crônidas como ela, apenas Deméter podia invocar o poder de Rea a mãe de todos ou de Gaia a mãe de toda criação e por nada abdicaria de seus direito de deusa e mãe, nada a tiraria dali, ainda que aquela filha dos titãs, falasse horas da regeneração das almas, que com Perséfone o reino invisível seria apenas um lugar de passagem, para a psique dos humanos, nada, mas nada mesmo a tiraria daquela pedra até que o solo se abrisse e sua filha fosse devolvida.
Porem as artimanhas da rainha das feiticeiras, não estava apenas no seu poder, de transformar a natureza e a vontade dos deuses e dos humanos, pois quando mais a dupla mãe, a De Meter, fechava sua mente para os feitiços , quando mais se endurecia como pedra, para que ela não a atingisse mais estaria exposta para a armadilha que esta havia lhe preparado, pois como filha das antigas gerações sabia que só uma coisa reverteria a situação do mundo, apenas um gesto poderia mudar tudo.
Hécate era a dona dos caminhos, dominava as encruzilhadas, sabia de todos os caminhos que os humanos precisariam passar para chegar ao seu destino, sem a dupla via da natureza humana, sendo carne e sendo espirito, nunca estes cumpririam os desígnios de Gaia. A velha bruxa sabia, que novos alimentos deveriam chegar aos humanos, a caça seria escassa, a agricultura teria que se desenvolver, os humanos deviam aprender com a reencarnação que o trigo poderia ser novamente enterrado, e que nasceria novamente, que suas sementes amassadas se tornariam o pão alimento do corpo, que Dionisio, daria aos homens o alimento do espirito, o vinho e o transe, que libertaria a mente que desenvolveria intrincados raciocínios. Todo o progresso humano dependeria do ato que ela faria agora, o inesperado que quebraria a resistência de Deméter, e que a cada ano Perséfone, descesse ao submundo, e que neste período, a terra morresse com ela, para que assim descansasse e se preparasse para o próximo ciclo, e que com a volta de Perséfone a vida brotaria do solo empurrada por ela, Hécate e o equilíbrio entre a superfície e a o subterrâneo ocorresse, como já havia acontecido com o céu e a terra, e entre a terra e o mar. Para que tudo isto ocorresse, Hécate/Baubó precisava criar algo totalmente novo, algo que quebrasse a resistência e que restabelecesse a ordem e foi o que fez.
Levantando a Roupa exibiu sua genitália, pintada como se fosse um rosto e os grandes lábios a Boca, que cantava musicas obscenas.
Iaco que estava mudo de terror pelo senho fechado de sua bisavó Deméter, surpreendido gargalhou, surpreendida com o riso infantil, A grande deusa, deixou escapar um sorriso, que observada por Iaco que agora ria dela Deméter, as gargalhadas, não resistiu e também gargalhou.
Ao som desta gargalhada a terra voltou a sorrir e floresceu e a partir daquele momento, o mundo mudou, e os mortos puderam voltar à vida.