Percorrendo os meandros viscerais até o âmago do ser humano, o inferno da mente. E dali retornar um novo ser, sem mais nenhum medo, vencendo as trevas da ignorância.
quarta-feira, abril 27, 2011
Jano e Jana
No Paganismo Imperial Romano, sabemos muito pouco sobre as divindades ancestrais dos romanos e o que mais conhecemos são as divindades gregas que se fundiram com as antigas crenças dos povos itálicos, formando o que conhecemos como paganismo greco-romano.
Entre os povos Itálicos que depois iriam se juntar, ou serem juntados à força, para a formação de Roma, existiam divindades fortíssimas que se fundiram com as dos invasores indo-europeus criando um panteão diversificado e fundamentado no divino casal criador e mantenedor da vida na terra.
Depois, com a expansão da Republica Romana, passou-se a assimilar deuses de outras civilizações que conquistavam e os levavam para Roma com o intuito de dizer aos povos submetidos que mesmo os seus deuses preferiam o Império Romano ao país e região que antes eram cultuados, uma maneira simples de dizer a estas populações que era muito bom aceitarem a cidadania romana, já que até mesmo os seus deuses haviam feito isto.
Divindades importantes do paganismo arcaico romano são perdidas neste processo: Bona Dea é sincretizada com Deméter, quando na verdade ela é Fauna, a deusa dos animais, Fauno, o seu marido, teve mais sorte, pois foi assimilado com Pã, praticamente com as mesmas funções. Centenas de outros deuses de importância vital para o desenvolvimento de Roma foram perdidos ou assimilados a divindades gregas, perdendo sua função original.
Do casal primordial, Gaius e Gaia, só nos restou a fórmula do casamento romano “Ubi tu Gaius ego Gaia” Quando fores Gaius eu serei Gaia, que sela uma união eterna.
De outro importante casal Jano e Jana (Ianus e Iana no original), ela a Grande Mãe de toda a vida se transforma em Diana, que de Grande Mãe passa a ser identificada com a virgem Ártemis, perdendo todos os seus aspectos de fecundidade. E Ianus passa a ser considerado apenas o deus das Portas e dos Princípios. Um eco longínquo nos faz lembrar dele todo principio de ano, quando entramos no mês de Janeiro, o mês de Jano.
É de Jano que vamos falar nesta coluna. Podemos depois falar de outros deuses que se perderam ou que perderam suas atribuições e que é preciso recuperar o seu sentido original. E como podemos fazer isto se o conhecemos muito pouco?
Jano é um deus primordial na Itália, anterior inclusive à chegada de Saturno, destronado por Júpiter, tanto que foi ele quem recebeu o senhor dos Titãs na península e juntos fizeram a Idade do Ouro italiana. Possivelmente Jano e Jana são filhos do casal criador Gaius e Gaia, que, e eram representados pelo Carvalho (Quercus Robur) e pelo Azevinho (Quercus Ilex). O carvalho por ter o ciclo anual e o Azevinho perene.
Jano era representado com uma cabeça bifronte (com dois rostos), um jovem e imberbe olhando para frente, podendo ver o futuro, e outro mais adulto e barbado olhando para trás, vendo o passado. Era considerado nos documentos que persistem no tempo como o Deus das Portas e dos Inícios, mas provavelmente nos antigos cultos latinos e/ou etruscos ele representava mais que isto. Sendo o presente, que contempla o passado e o futuro, podemos considera-lo como um senhor do tempo, como o Chronos grego, ou ainda mais, já que ele era o deus das portas e das chaves, ou seja, tinha também o poder de abrir e fechar as portas da eternidade. Contemplando o mundo a partir de todas as perspectivas, visualizando a totalidade, sem nenhuma dualidade. Para Jano, não existia o bem e o mal, o branco e o negro, luz e trevas. Tudo era assimilado e compreendido por ele.
Apenas um deus com estas as características poderia ser capaz de penetrar, compreender e dar sentido à natureza criada por Jana, a Deusa Mãe adorada nos cultos ancestrais, através de mil nomes. Jana, Iana, Djana, Diana e com todas as variações possíveis da Raiz indo-européia “Dan” Don, Danan, e outras tantas, neste contexto, cuidava amorosamente de tudo que vivia e crescia no mundo. Jana incorporava a ordem universal, desde o seu domínio sagrado da realidade temporal, da sacralidade cíclica à transcendência. Nela tudo se fundia e os contrários se encontravam criando o sentido do absoluto. Mesmo o posterior cristianismo adota Santa Ana, a mãe da virgem Maria, mãe de Deus, deixando claro que Jana, acompanhada de Jano, permanece absoluta como a grande Deusa Mãe universal.
Jano controlava a vida que Jana criava e nutria. Estas eram as portas que se abriam e se fechavam, transformando em presente o passado e o futuro, que só existem para quem não crê na totalidade da vida. Como os ciclos do carvalho, que aparentemente morre e perde suas folhas, para renascer de si mesmo, representando a renovação de todo o universo representado por Jana e sua imagem perene do azevinho, que nunca perde suas folhas.
Ambos, enquanto simbolizavam a união dos contrários, eram na realidade uma coisa só: uma idéia superior que rompe com todos os padrões estabelecidos pelas aparências, eram uma unidade e marcavam a quebra de todas as falsas realidades e limites da vida.
No final do Império, quando os romanos davam mais atenção aos seus deuses familiares, Penates e Manes, e os sacrifícios e festivais dos grandes Deuses do panteão Greco Romano eram considerados como acontecimentos sociais ou uma obrigação cívica, parecida com pagar imposto, os cultos de mistérios apareceram com toda a força, trazendo de volta o culto às grandes mães primordiais como Isis e Cybele, representadas pelo perene Azevinho ou seus filhos e companheiros que regem os ciclos do mundo como Átis, Mitra ou Dionisio, que tinham em sua história um ciclo de morte e renascimento como o do Carvalho de Jano.
O que vem depois é o cristianismo, que durante mil anos ocultou o lado feminino da divindade, mas depois deste tempo entrou em colapso, pela falta da grande mãe, que foi restaurada na figura da Maria filha de Ana. E por uma incrível “coincidência”, as primeiras estátuas da Virgem que foram cultuadas tinham as mãos e o rosto negro, como a terra fértil e o lodo criador, e nos primeiros grupos que representavam Ana, Maria e Jesus havia uma desproporção entre as figuras, com Santa Ana sendo representada muito maior que Maria, que por sua vez também era desproporcional ao menino Jesus, mostrando claramente que Ana era superior aos demais.
Com o tempo o cristianismo voltou ao equilíbrio e sobreviveu mais mil anos com um masculino superior, porém com uma Maria que interfere e consegue favores a quem a pede diretamente a ela.
Maria, filha de Ana, se mostra como sua mãe, com muitas formas e muitos nomes, e aparece quando menos esperamos em vidraças, espelhos ou desenhada pela chuva em pedras e paredes. Aparece para as pessoas simples e para crianças, reafirmando sua perenidade, e Jano ainda nos abre as portas dos novos ciclos, como no mês de janeiro, embora muitos acreditem que eles sumiram do mundo há milênios.
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