O duas vezes nascido, enlouquecido por Hera percorreu os mais longínquos países, juntando aos seu cortejo os desvalidos, os mal paridos e a todos os párias. A musica era de pânico, dor e terror, mas ao invés de assustar e fazer com que todas as portas e janelas fossem fechadas e que este cortejo atravessasse as cidades desertas e mortas como um bando de leprosos, que silenciosos reviram o lixo em busca de comida, este cortejo, atraía as multidões. O grito de horror que saia da terra, que como que se abria à passagem do deus, clamava às mulheres que atendendo ao chamado, abandonavam seus filhos com os atônitos pais e rasgavam suas roupas, jogavam terra nos cabelos e buscavam o sabor da carne viva, pulsante, como o coração de Dionisio, no ritmo da pulsação do planeta e percorriam os campos pulando sobre apenas um pé e gritando Evoé !
Dionisio não era o deus da alegria e das festas, era sim o deus do desespero, dos loucos, dos dominados. Dava aos que nada tinham o poder de sonhar, de buscar um mundo melhor além da realidade levava os humanos a transcendência lhes dando o ctônico sangue da terra, por isto sempre foi adorado pelas mulheres, as que sempre mais sofriam com a dominação. Enquanto os demais olímpicos prendiam criavam obrigações, Hera as amarrava com os laços do matrimonio, Athena às tarefas domésticas, Ártemis a maternidade que ela própria recusara, Héstia as prendia a família, enquanto todos os deuses só davam trabalho e cadeias, Dionisio era o único que as libertava, que compreendia a necessidade de liberdade que existia na mulher. Por ele elas rasgavam as vestes, lanhavam a carne, deixavam que seu sangue molhasse a terra. Por ele arrancavam o coração de seus filhos, comiam a carne nascida da própria carne, pois em Dionisio nascia a liberdade e morriam as dores e as humilhações.
No cortejo eram todas rainhas, como cetro o tirso que ostentavam sua devoção, como manto, as sangrentas peles dos animais mortos por suas unhas e dentes que dava a elas a superioridade no mundo selvagem, pois na barbárie as regras sociais e a tolerância eram abandonadas, nos campos incultos se deitavam com o homem que escolhessem, ou com a mulher que lhes agradasse, nenhum sátiro ou sileno, desobedecia ao deus as mulheres eram livres, enlouquecidas, possuídas, representando os verdadeiros poderes e o espirito orgiástico da natureza. E em sua sagrada loucura montavam feras, que as carregam gentilmente, amamentam animais selvagens em seus seios.
Com este exercito Dionisio conquistou a Índia, e em seu retorno combateu e venceu as Amazonas e mesmo os terríveis gigantes fugiram da aproximação do cortejo, pois este era o caos ctônico contra a ordem celestial dos dominadores e seus deuses organizadores, Dionisio é o deus dos vulcões, não das forjas criativas de Hefesto, mas da erupção, do jorro da lava destruidora que mata o velho, para que o novo nasça. Este é o Zagreus o Grande Caçador, o Deus com Chifres de touro o consorte da Grande Mãe, que renasce entre os Olimpicos para libertar as potências criadoras reprimidas, e justamente por isto tão reprimido e proibido pelas sociedades grega e romana.
Dionisio é o seu insano cortejo, é causa do pânico anunciado por Pã nos gemidos alucinados de Sirinx. Ele é a desordem temida pelos governantes e pelos poderosos, é o terror para os pequenos dominadores, aqueles que controlam cultos, e tiram proveito em nome dos deuses.
Dionisio é o que renasce dos humores e miasmas da terra, quando a mãe está ferida, e o equilíbrio corre riscos, quando a organização e a sociedade sufoca; ele como um sopro de oxigênio renova e incendeia a mente dos que não mais suportam a opressão.
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