sexta-feira, janeiro 18, 2008

Leiam, imprimam e colem no espelho do banheiro

Trazendo de volta os deuses gregos
(The Los Angeles Times)


Meros mortais tinham uma vida melhor quando mais de um governante presidia lá do alto.
por Mary Lefkowitz - 23 de Outubro de 2007


Leigos proeminentes e comentaristas ateístas discutiram ultimamente que a religião "envenena" a vida humana e causa violência e sofrimento sem fins. Mas o veneno não é a religião: é o monoteísmo. Os gregos politeístas não pregam matar quem adora deuses diferentes, e não pretendem que sua religião provenha as únicas respostas certas. A religião deles fez os antigos gregos ficarem cientes de sua ignorância e fraqueza, deixando-os reconhecer múltiplos pontos de vista.

Há muito que ainda podemos aprender dessas antigas noções de divindade, mesmo se pudermos concordar que as práticas de sacrifício animal, deificação de líderes e adivinhação do futuro através de vísceras animais ou vôos de pássaros estejam bem perdidas.

Meus alunos hindus poderiam sempre ver algo que muitos estudiosos não percebem: os deuses gregos não eram meras representaçãos de forças da natureza, mas seres independentes com poderes transcendentes que controlavam o mundo e tudo nele. Alguns dos deuses eram estritamente locais, tais como as deidades de rios e florestas. Outros eram universais, como Zeus, seus irmãos e filhos.

Zeus não se comunicava diretamente com a humanidade. Mas seus filhos - Atena, Apolo e Dionísio - desempenhavam papéis ativos na vida humana. Atena era a mais próxima a Zeus de todos os deuses; sem a ajuda dela, nenhum dos grandes heróis poderia realizar nada extraordinário. Apolo poderia dizer aos mortais o que o futuro tinha reservado para eles. Dionísio poderia alterar a percepção humana para fazer as pessoas verem o que não estava realmente ali. Ele era cultuado na antiguidade como o deus do teatro e do vinho. Hoje, ele seria o deus da psicologia.

Zeus, o rei dos deuses, mantinha seu poder ao usar a inteligência junto com sua força superior. Ao contário de seu pai (que foi deposto), ele não mantinha todo o poder para si mesmo, mas concedia direitos e privilégios a outros deuses. Ele não era um legislador autocrata, mas escutava e era freqüentemente persuadido pelos outros deuses.

Essa abertura a discussão e perguntas é um traço que distingue a teologia grega. Ela sugere que decisões coletivas normalmente levam a melhores resultados. Respeito por uma diversidade de pontos de vista caracteriza o sistema cooperativo de governo que os atenienses chamavam de democracia.

Diferente das tradições monoteistas, o politeísmo greco-romano era multicultural. Os gregos e romanos não partilhavam da visão estreita dos antigos hebreus de que uma divindade poderia ser apenas masculina. Como muitas outras pessoas do leste do Mediterrâneo, os gregos reconheciam divindades femininas, e atribuíam às deuses quase todos os poderes que os deuses masculinos possuíam.

O mundo, como o filósofico grego Thales escreveu, está cheio de deuses, e todos merecem respeito e honra. Tal compreensão generosa da natureza da divindade permitiu aos antigos gregos e romanos aceitar e respeitar os deuses de outras pessoas e admirar (mais do que desprezar) outras nações por suas próprias noções de piedade. Se os gregos estavam em contato íntimo com uma nação em particular, eles davam os nomes dos deuses estrangeiros aos seus próprios deuses: Ísis era como Deméter, Hórus era como Apolo, e assim por diante. Logo, eles incorporavam os deuses das outras pessoas dentro de seu próprio panteão.

O que eles não aprovavam era o ateísmo, que para eles significava se recusar a acreditar na existência de qualquer deus. Uma razão de muitos atenienses ressentirem Sócrates foi que ele afirmou que uma divindade falou com ele em particular, mas que não podia dizer o nome dela. Similarmente, quando os cristãos negam a existência de outros deuses que não o seu próprio, os romanos suspeitavam de motivos políticos ou revoltosos e os perseguiam como inimigos do estado.

A existência de muitos deuses diferentes também oferece um relato mais palusível do que o monoteísmo sobre a presença do mal e a confusão no mundo. Um mortal pode ter tido o apoio de um deus, mas incorrer a inimizade de um outro, que poderia atacar quando o deus patrono estivesse afastado. A deusa Hera odiava o herói Héracles e enviou a deusa da loucura para fazê-lo matar sua esposa e filhos. O pai de Héracles, Zeus, não fez nada para detê-la, embora no final tenha tornado Héracles imortal.

Mas, na tradição monoteísta, na qual Deus é onipresente e sempre bom, os mortais levam a culpa por tudo o que dá errado, mesmo que Deus permita que o mal exista no mundo que ele criou. No Velho Testamento, Deus leva embora família e a riqueza de Jó, mas restaura sua prosperidade depois que Jó reconhece o poder de Deus.

O deus dos hebreus criou a Terra em benefício da humanidade. Mas, como dizem os gregos, os deuses fizeram a vida difícil para os humanos, não procuraram melhorar a condição humana e permitiram as pessoas sofrerem e morrerem. Como um paliativo, os deuses poderiam oferecer apenas ver que a grande realização foi comemorada. Não havia esperança de redenção, nem promessa de uma vida feliz ou recompensa após a morte. Se as coisas davam errado, como inevitavelmente acontecia, os humanos tinham que procurar conforto não dos deuses, mas de outros humanos.


A separação entre a humanidade e os deuses tornou possível aos humanos reclamar aos deuses sem a culpa ou o medo de reprimenta que a deidade do Antigo Testamento inspirava. Os mortais eram livres para especular sobre o caráter e as intenções dos deuses. Ao permitir que os mortais fizessem perguntas difíceis, a teologia grega encorajou-os a aprender, a procurar todas as possíveis causas dos eventos. A filosofia - que caracteristicamente é invenção grega - tinha suas raízes em tais inquisições teológicas. Assim como a ciência.

Paradoxicalmente, a vantagem principal da antiga religião grega reside na sua habilidade de reconhecer e aceitar a falibidade humana. Os mortais não podem supor que têm todas as respostas. As pessoas que mais provavelmente sabem o que fazer são os profetas diretamente inspirados por um deus. Ainda que os profetas inevitavelmente encontrem resistência, porque as pessoas ouvem apenas o que desejam ouvir, seja ou não aquilo verdade. Os mortais particularmente têm mais tendência a errar nos momentos em que acham que sabem o que estão fazendo. E os deuses estão totalmente cientes das fraquezas desse humano. Se eles escolherem se comunicar com os mortais, eles tendem a fazê-lo apenas indiretamente, por sinais e presságios, os quais os mortais freqüentemente interpretam errado.

A antiga religião grega dá um relato do mundo que, em muitos aspectos, é mais plausível do que o oferecido pelas tradições monoteístas. A teologia grega abertamente desencoraja a confiança cega baseada em esperanças irrealistas de que tudo irá funcionar e dar certo no final. Tal ceticismo saudável sobre a inteligência e realizações humanas nunca foi mais necessário do que é hoje.

Mary Lefkowitz é professora emérita do Colégio Wellesley e autor do "Greek Gods, Human Lives" (Deuses Gregos, Vidas Humanas) e do iminente "History Lesson" (Lição de História).

(
http://www.latimes.com/news/opinion/sunday/commentary/la-oe-lefkowitz23oct23,0,5427284.story, traduzido por Alexandra)

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=4246325

http://helenismo.googlepages.com

2 comentários:

Alexandra disse...

Salve, Gwy! Obrigada pela divulgação. Adorei o título de colar no espelho do banheiro... hehehe! Beijocas

Anônimo disse...

Ah, olha, acabei linkando este post no meu último, em que falo de racionalidade: http://blecaute.wordpress.com/2008/01/19/para-refletir-no-seu-fim-de-semana/

:)