segunda-feira, maio 30, 2011

Morte e renascimento em vida.



A morte em si não dói. Do nada uma sombra negra e o ruído seco da tesoura de Laquesis, nos desperta para a estranha novidade, estou morto, fim. 
 
Seria ótimo se fosse, mas não é. Acordamos como se depois de um leve desmaio, mas quando percebemos não temos mais chão, estamos no ar e aí começam as piores dores, não acreditamos que nossa vida inteira desmoronou. Em menos de um segundo tudo que sonhávamos e vivíamos deixa de existir. Todo nosso trabalho em construir uma vida plena desaparece no ar, tantas palavras tantos amores, todo o sentimento termina, e todas as promessas se esvaem no ar.

 
Algo em nós ainda vive e este é quem se revolta, por tudo terminar em nada. Ainda há uma vida em nós continuamos nos movimentando, continuamos falando, mas a nossa alma penetra na escuridão, e quer que tudo acabe logo, mas não acaba, anos e anos teimam em passar diante dos nossos olhos, revivemos cada momento, com dor ou saudade.

 
O corpo ainda vive, porque foi nossa alma quem morreu, sucumbindo ao peso das ingratidões e desprezo daqueles a quem mais amou. Uma alma morta que se recusa a mover o corpo e este se move como um morto vivo sem nenhuma vontade. O espírito refugia-se nos mais recônditos cantos do inconsciente, onde escondido espera encolhido, que a morte total o liberte, para que possa seguir ao mundo dos mortos. 

 
A Alma, presa a sua própria matéria se recusa a movimentar-se, pois magoada e ferida em seu âmago acredita que jamais poderá viver novamente, pois as traições não foram físicas, a infidelidade foi contra o seu ser, e foi isto que a deixou tão ferida.

 
Por mais que quisesse meu espírito imortal, não conseguia morrer antes de chegar ao seu destino nesta vida, o que tornava toda a situação ainda mais singular. Um corpo sem alma querendo viver e uma alma sem corpo querendo partir. Mas como é comum a todos que morrem, a memória é a primeira coisa que começa a falhar e se não houver vivos que nos lembrem quem fomos, caímos no esquecimento tanto no mundo físico como no espiritual e sem lembranças nos perdemos antes mesmo do encontro com o barqueiro. E minha alma sem memória num corpo ainda vivo, rapidamente começa a se decompor.

 
Em meio ao esquecimento e lembranças que não mais queria ter, pouco sobrava para continuar vivo, algo ainda me prendia ao corpo, meu destino ainda não havia se cumprido e algumas vozes de pessoas que ainda mantinham boas lembranças de mim, começaram a chegar aos meus ouvidos e diziam que ainda precisavam que eu estivesse entre elas. 

 
Pouco a pouco estas vozes ganharam força e se identificavam, meus filhos e os filhos destes precisavam de mim e a memória voltava ao me lembrar deles. Outros que lembravam-se estavam no passado, tão distante que eu pouco sabia deles, uma destas pessoas me falava mais forte, nem tanto no volume da voz, mas no sentimento e no amor que ela ainda sentia, misturado a sua vida de hoje. Existia amor nesta pessoa, um amor verdadeiro, ainda que encoberto por outros sentimentos e outras memórias e ouvido estas memórias, minha alma se alegrava e voltava lentamente a ocupar o seu verdadeiro lugar em mim.

 
A vida começava a fluir novamente, em uma alma agora sem sonhos e com poucas perspectivas de realização, mas por mais fraco que fosse este chamado, ele fazia que a vida retornasse vagarosamente a criar novas ilusões e novos sonhos e uma nova vida para realizar estas novas utopias e voltar a acreditar na vida ainda que tudo estivesse contra.

 
Mas são os sonhos que alimentam a alma e a vontade de realizar-los que nos move, e assim desperto novamente para este mudo, os devaneios são fracos, mas um dia tornar-se-ão objetivos e estes, somente estes, nos movem.

Um comentário:

Juliana Velico disse...

Morrer e renascer.. transições muitas vezes necessárias nessa vida.. um dos motivos de eu me identificar tanto com a borboleta é isso, a morte da lagarta em seu casulo.. e o renascimento como borboleta.. transmutação... já passei por isso
Lindo texto, mais uma vez parabéns..