O surpreendente êxito iconográfico de São Sebastião remonta a Alta Idade Média. Uma peste se espalhou por Roma no Século VII e o povo acreditou que Deus enviava aquela epidemia como um arqueiro que lançava suas flechas ao acaso e acreditavam que como São Sebastião havia sobrevivido ao martírio das flechas, ele morreu depois por lapidação (mas, isto foi esquecido pela Igreja Católica) somente ele poderia salva-los da praga enviada através das setas divinas. Suas imagens se espalhavam em altares, afrescos e até mesmo em medalhas que eram usadas no pescoço.
Já nesta época existiam pintores como Perugino e Botticeli, que o usaram para exaltar a beleza e juventude da nudez masculina, independente da missão terapêutica do santo. Porém a grande revolução do tema ocorreu no Século XII no começo da era barroca, quando aparecem as primeiras visões de adolescentes nus e desfalecidos pintados com o único fim de agradar aos olhos. Se esqueceram completamente que Sebastião havia sido um capitão da guarda pretoriana do Imperador Diocleciano e o representavam como um efebo, mais afeito a languidez do que às armas. Guido Reni um dos retratistas mais sensuais de S. Sebastião, continua representa-lo de pé, porem já não se trata de glorificar sua resistência ao destino, mas sim explorar a sensualidade masculina, Os braços acima da cabeça e amarrados a arvore, descobrem seu Torax nu e a suavidade de suas carnes, oferecendo-se assim plenamente a contemplação estética do observador.Por que no Século XII um soldado vigoroso e marcial um oficial romano é convertido num efebo erótico? Por que os barrocos viram no mártir do século III uma figura conveniente para a sua arte?
Naquela época as pestes voltavam com maior vigor e devastavam varias cidades, e ao representar o santo nestas posturas desfalecidas e dolentes em nada lembravam o valor do amuleto que foi usado no século VII.
Não podemos nos esquecer que nos séculos XI e XII o fenômeno do amor romântico e as trocas dos menestréis varrem a Europa como outra peste e na pintura o espetáculo da beleza, da dor e do êxtase vão estar intimamente relacionadas. O corpo do santo que antes era retratado parcialmente vestido agora era representado quase completamente nu.
"Mata-me, faça-me Morrer" escrevia Tereza D’Ávila, quando narrava seus encontros com seu amante divino.D’Annunzio, que compôs um poema sobre São Sebastião, colocou estas palavras na boca do santo:
" Eu digo, eu digo, quem mais profundamente me fere, mais profundamente me ama."
Em ambos os casos, a mesma retórica sadomasoquista e a mesma busca do prazer na dor. A época era propicia, doenças e guerras devastavam a Europa, interessava mostrar o prazer no martírio e que a dor além aliviar a culpa, podia levar ao êxtase.
Tanto tormento, só pode levar a dois caminhos: ao mais estrito ascetismo ou a busca frenética do máximo do prazer que pode desfrutar o homem em seu curto período de vida. Se a morte é eminente, temos pressa de desfrutar a vida. As confusões da História e a angústia que estas produzem são refletidas no tema de São Sebastião, o que podemos chamar de um pessimismo hedonista. Um sentimento precário da existência, uma consciência aguda da fragilidade das coisas e da brevidade do tempo, amalgama do fúnebre com o voluptuoso, o abandono e o êxtase, uma sensualidade tremula. A união da morte com o amor, de Eros e Tânatos, que fica magnificamente representada na figura do jovem que padece o suplicio. (Resumo um trecho do livro de Dominique Fernandez; El rapto de Ganimedes, Editorial Tecnos, Madrid,1992)."
Creio que foi neste ponto que reencontrei Ganimedes, não exatamente na beleza adolescente ou plástica, mas no sentimento da Fatalidade (no sentido de destino) o de se entregar ao destino ainda que este seja adverso. Vejo a aceitação e a impossibilidade do humano perante aos deuses e a entrega sem resistência ao inevitável.
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