terça-feira, novembro 13, 2007

Ubi tu Gaius ego Gaia

Embora as feministas costumem resmungar (e elas resmungam muito) esta formula dita pela noiva, que fecha o casamento romano em nada tem de dominação patriarcal ou domínio machista. Ela simplesmente fecha um acordo onde o marido que aceitam não se tornará seu amo mas sim seu par. São a partir daí Janus, as duas faces de um mesmo ser. Ela nada tem a ver com a união carnal nem mesmo com a comunhão romântica de dois corações, mas sim, com o início de uma "societas", uma sociedade que ultrapassa cada um dos cônjuges, tanto por suas consequências, como por sua própria natureza. O casal é por si só um novo ser.

Este caráter do matrimonio romano, que considera o casal como uma realidade em si, de certo modo transcendente, aparece claramente na condição de um par sacerdotal. Assim como o do flamen e da flaminica um sacerdócio antiquíssimo que só podia ser exercido por um patrício casado, que remonta o componente ariano da urbe romana.

O casal a partir do casamento passavam a ser os sacerdotes do culto doméstico, levado em alta conta pelos antigos romanos. Apesar do culto oficial da urbe (cidade) existia a religião de cada gens (familia patrícia) com seus próprios deuses (antepassados) os antepassados carnais e os gênios familiares (daimons ou exús). Até o casamento tanto o Homem quanto a Mulher tinham como sacerdotes deste culto seus pais, e depois do casamento assumiam a condição de sacerdotes da familia que ali se iniciava, e seguiriam a religião da gens do marido. ( embora mais tarde haveria o casamento sem "manus" onde a mulher continuava devotada a religião da gens paterna.

Os antigos romanos se casavam muito jovens a idade legal para o casamento era doze anos para as mulheres e quatorze para os meninos em bora para os meninos este prazo se dilatava até os dezoito anos. A idéia é que a noiva não fosse apenas pura fisicamente, mas que tivesse também a pureza moral e não fosse expostas a conduta e aos cultos da família de seus pais, para assim se integrasse totalmente ao marido.

O casamento patrício era chamado de "confarreatio" e apresentava ritos que conservavam valores mágicos e outros que eram apenas herança incompreendida do passado distante. Em sua maioria tinham o objetivo de proteger a noiva neste momento importante da sua vida.

A cerimonia começava na véspera, quando a noiva abandonava suas roupas infantis e era vestida com uma túnica branca chamada de "tunica recta" (túnica reta) era uma túnica tecida em tear à moda antiga por um tecelão que trabalhava de pé ( num momento tão importante era melhor seguir as antigas tradições que arriscar uma inovação). A faixa que prendia a túnica à cintura era amarrada com um nó especial chamado "nó de Hercules" que no dia seguinte o noivo desataria.

Seus cabelos eram penteado de acordo com os rituais antigos: Uma mulher bem casada e virtuosa repartia os seus cabelos em seis tranças com a ajuda de uma "Hasta Caelibares" (uma lança de cabo curto com ponta de ferro afiado) que segundo Plutarco remetia a Juno a protetora dos casamentos, que em algumas configurações era uma deusa guerreira. O penteado era imutável, as seis tranças presas à testa com pequenas tiras de tecido e depois cobertos com o Flammeum, véu cor de laranja que caia sobre os ombros emoldurando o rosto – o Flammeum véu usado pelo flamem e a flaminica (cujo divórcio era proibido) tinha a cor de laranja que representava o amanhecer o começo de um novo dia – na manhã seguinte os convidados se reuniam na casa da noica onde faziam sacrifícios e se ouviam os "Auspices" (adivinhos, oráculos) e depois vinha o casamento propriamente dito as declarações e consentimento de ambos, cujas mãos, uma mulher "a Pronuba" unia solenemente. Este gesto, "Dextratarum Junctio" manifestava e simbolizava a união dos conjuges, que a partir disso se transformavam em um só ser. Pedia-se então aos deuses que abençoassem a união. Estranhamente os deuses invocados era um masculino e quatro femininos: Jupíter pelo testemunho dos céus, Juno a protetora dos casamentos, Vênus para a paixão, Fides a deusa da palavra empenhada e Diana a parteira para que viessem os filhos. Estas invocações nos mostravam que a mulher era a mais dotada dos poderes divinos.

Depois de outro sacrifício e banquetes se esperava até o anoitecer e o aparecimento da estrela Vesper.

Quando os amigos do noivo, talvez para lembrar um ato criador de Roma raptavam a noiva como os primeiros romanos fizeram com as Sabinas. A noiva fingia estar assustada, resistia e se refugiava nos braços da mãe, de onde era arrancada e seguiam em cortejo guiado pela "Pronuba" até a casa do noivo. Este alegre cortejo era acompanhado por cantos obscenos, pelo valor apotropáico para afastar o mal olhado e estimular a fecundidade do casal.

No cortejo a noiva era acompanhada por 3 animais que tivessem pais vivos e um deles carregava uma tocha de espinheiro-alvar e os jovens amigos do noivo tambem carregavam tochas para iluminar o cortejo. A noiva era acompanhada por duas criadas que levavam nas mãos uma roca e um fuso, simbolizando o trabalho doméstico da futura senhora – este era o único trabalho doméstico exigido da esposa nascida livre, até mesmo na casa de Augusto as suas tunicas eram fiadas e tecidas pelas mulheres da família.

Com a chegada do cortejo a casa do noivo, a noiva fazia preces as divindades do limiar, untava os batentes com óleo e prendia tiras de lã e depois erguida pelos rapazes ( para evitar um tropeço de mau presságio) atravessava a soleira e era então apresentada as divindades da casa.

O noivo que a esperava no Atrium oferecia-lhe Água e Fogo, os dois elementos vitais e indispensáveis aos ritos sagrados. E finalmente a jovem noiva dizia a formula que é o titulo desta postagem "Onde Fores Gaius, Serei Gaia" e começando sua nova vida oferecendo três moedas: uma ao marido, outra aos deuses do lar e a terceira aos lares na encruzilhada mais próxima.

Fonte: O Amor em Roma e A Vida em Roma na Antiguidade do Pierre Grimal e Curso de História Roma de André Alba

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