sábado, janeiro 21, 2012

A Prostituta com Cabeça

Adoro este conto, vai de presente de fim de semana pra vocês


A Prostituta com Cabeça de Woody Allen


Uma das coisas de ser um investigador particular é que você tem que aprender a seguir seus palpites. É por isso que, quando um trêmulo pedaço de manteiga chamado Word Babcock entrou em meu escritório e colocou suas cartas na mesa, eu devia ter confiado no arrepio que subiu por minha espinha.

"Kaiser?", ele perguntou. "Kaiser Lupowitz?"
"É o que diz minha licença", admiti.
"Você precisa me ajudar. Eu estou sendo chantageado. Por favor!"
Ele tremia como um cantor de orquestra de rumba. Empurrei um copo até ele e uma garrafa de uísque de centeio que sempre tenho à mão para fins não medicinais. "Trate de relaxar e me conte tudo."
"Você... você não vai contar para minha mulher?"
"Vamos ser francos, Word. Não posso fazer qualquer promessa."
Ele tentou tomar um gole, mas o bater de seus dentes podia ser ouvido do outro lado da rua e a maior parte da bebida acabou em seus sapatos.
"Eu sou um cara trabalhador", disse. "Manutenção mecânica. Eu monto e conserto vibradores de brincadeira. Você sabe - aqueles aparelhinhos que dão um choque quando as pessoas apertam as mãos?"
"E daí?"
"Muitos de seus executivos gostam deles. Especialmente em Wall Street."
"Vamos ao que interessa."
"Eu viajo um bocado. Você sabe como é - sozinho. Não é o que você está pensando. Veja, Kaiser, eu sou basicamente um intelectual. Claro, um camarada pode ter todas as vagabundas que quiser. Mas uma mulher com miolos - esta não é tão fácil de encontrar de repente."
"Continue."
"Bem, eu ouvi falar de uma garota. Dezoito aninhos. Aluna de Vassar. Por dinheiro, ela vem e discute qualquer assunto - Proust, Yeats, antropologia. Troca de idéias. Percebe aonde quero chegar?"
"Não exatamente."
"Quero dizer, minha mulher é legal, não me entenda mal. Mas ela não vai discutir Proust comigo. Ou Eliot. Eu não sabia disso quando casei com ela. Sabe, eu preciso de uma mulher que seja mentalmente estimulante, Kaiser. F, estou disposto a pagar por isso. Não desejo qualquer envolvimento - quero uma rápida experiência intelectual e depois que a garota vá embora. Cristo, Kaiser, eu sou um homem bem casado."
"Quanto tempo já dura a coisa?"
"Seis meses. Toda vez que tenho esse desejo, ligo para Flossie. Ela é uma madame, com mestrado em literatura comparada. Ela me manda uma intelectual, entende?"
Então, ele era um daqueles sujeitos cuja fraqueza era mesmo por mulheres inteligentes. Senti pena do pobre mané. Imaginei que devia haver um bocado de tolos na mesma situação, famintos por um pouco de comunicação intelectual com o sexo oposto e que pagariam os olhos da cara por isto.
"Agora ela está ameaçando contar para minha mulher", ele disse.
"Quem está ameaçando?"
"Flossie. Eles grampearam o quarto do motel. Conseguiram fitas onde eu discutia The Waste Land e Styles of Radical Will, e, bem, até entrava em certos assuntos. Eles querem dez mil dólares, se não contam
para Carla. Kaiser, você tem que me ajudar! Carla morreria se soubesse que não conseguiu me estimular nesse sentido."
O velho golpe da garota de programa. Eu já tinha ouvido boatos de que os camaradas da chefatura estavam lidando com alguma coisa
envolvendo um grupo de mulheres cultas, mas até o momento estavam impedidos de agir.
"Ligue para Flossie; eu falo com ela."
"O quê?"
"Vou aceitar seu caso, Word. São cinqüenta dólares por dia, mais despesas. Você vai ter que consertar um monte daquelas suas engenhocas."
"Não vai chegar a dez mil, tenho certeza", ele respondeu sorrindo e discou um número no telefone. Eu o tomei de sua mão e pisquei. Estava começando a gostar dele.
Alguns segundos depois, uma suave voz feminina respondeu e eu lhe disse o que pretendia. "Sei que você pode me ajudar e arrumar uma hora de um bom papo", eu disse.
"Claro, benzinho. Em que você está pensando?"
"Gostaria de discutir Melville."
"Moby Dick ou os romances mais curtos?"
"Qual é a diferença?"
"O preço. Só isso. Simbolismo é mais caro.
"Quanto vai me sair?"
"Cinqüenta, talvez cem para Moby Dick. Você quer uma discussão comparativa - Melville e Hawthorne? Dá para ajeitar por uns cenzinhos."
"O preço está bom", eu lhe disse e dei o número de um quarto no Plaza.
"Você quer uma loura ou uma morena?"
"Prefiro a surpresa", respondi e desliguei.
Fiz a barba e tomei um café enquanto repassava a série de Resumos do Monarch College. Nem uma hora havia se passado quando ouvia batida na porta. Abri e me deparei com uma jovem ruiva metida numas calças que pareciam duas grandes conchas de sorvete de baunilha.
"Oi, eu sou Sherry"
Eles realmente sabiam como apelar para nossas fantasias. Cabelos longos e lisos, bolsa de couro, brincos de prata, nenhuma pintura no rosto.
"Estou surpreso de você não ter sido barrada, entrando no hotel com essa roupa", eu disse. "O detetive da casa costuma reconhecer um intelectual."
"Por cinco dólares ele fecha os olhos.
"Vamos começar?", sugeri, levando-a para o sofá.
Ela acendeu uni cigarro e entrou direto no assunto. `Acho que poderíamos começar abordando Billy Budd como a justificativa de Melville para os métodos de Deus para com o homem, n'est-ce pas?"
"Interessante, contudo, não em um sentido miltoniano." Eu estava blefando, queria ver se ela iria cair.
"Não. Faltava a subestrutura do pessimismo em Paraíso perdido." Ela havia caído.
"Certo, certo. Por Deus, você está certa", murmurei.
"Creio que Melville reafirmou as virtudes da inocência em um sentido ingênuo, porém sofisticado - você não concorda?"
Eu a deixei continuar. Ela mal tinha dezenove anos, mas já havia desenvolvido a superficialidade calejada do pseudo-intelectual. Foi desfiando suas idéias desembaraçadamente, mas era tudo mecânico. Sempre que eu apresentava uma opinião, ela fingia dar uma resposta: "Mas, claro, Kaiser. Sim, meu bem, isto é profundo. Uma compreensão platônica do cristianismo - como não percebi antes?"
Conversamos durante cerca de uma hora, após o que ela disse que precisava ir. Levantou-se e eu lhe dei uma nota de cem.
"Obrigada, amorzinho."
"De onde esta saiu, há muitas mais."
"O que você está querendo dizer?"
Eu havia despertado sua curiosidade. Ela se sentou de novo.
"Suponha que eu queira, digamos, uma festa."
"Como? Que tipo de festa?"
"Vamos dizer que eu queira Noam Chomsky explicado por duas garotas."
"Nossa!"
"Acho melhor esquecer..."
"Você teria que falar com Flossie", ela disse. "Vai custar mais."
Era hora de fechar o cerco. Exibi minha carteira de detetive particular e avisei que ela fora apanhada.
«O quê?»
"Eu sou um tira, docinho, e discutir Melville por dinheiro é um artigo 802. Você pode pegar uma cana."
"Seu safado!"
"É melhor ficar fria, querida. A menos que você queira contar sua história no gabinete do delegado Alfred Kazin, e eu não creio que ele iria gostar de ouvi-Ia."
Ela começou a chorar. "Não me entregue, Kaiser", pediu. "Eu precisava do dinheiro para concluir meu mestrado. Pedi uma bolsa, mas não consegui. Duas vezes. Oh, meu Deus..."
Então ela desabafou e contou toda a história. Criada no Central Park West, acampamentos de verão de tendência socialista, Universidade de Brandeis. Era o tipo de garota que se podia encontrar na fila do Elgin ou do Thalia, ou rabiscando a lápis "Sim, é verdade" na margem de algum livro sobre Kant. Só que em algum ponto do caminho, fez a escolha errada.
"Eu precisava de grana. Uma amiga me disse que conhecia um sujeito casado com uma mulher meio bronca. Ele se interessava por Blake; ela não conseguia suportar. Eu disse, tudo bem, por uma grana eu converso com ele sobre Blake. No começo, ficava nervosa. Na maior parte do tempo eu tapeava. Ele não se importava. Minha amiga disse que havia outros. Ora, eu já fui apanhada antes; me pegaram lendo Commentary em um carro estacionado e uma vez fui parada e revistada em Tanglewood. Com esta, é a terceira vez que me dou mal."
"Leve-me até Flossie, então."
Ela mordeu os lábios e disse, "A livraria do Hunter College é a fachada."
"Como?"
"Como aqueles pontos de apostas que têm uma barbearia na frente para disfarçar. Você vai ver."
Dei um telefonema rápido para a chefatura e avisei a ela: "Tudo bem, docinho, você está livre. Mas não saia da cidade."
Ela levantou o rosto para mim, agradecida. "Posso conseguir para você umas fotos de Dwight Macdonald lendo", ofereceu.
"Talvez outro dia."
Entrei na livraria do Hunter College. O vendedor, um jovem com olhos sensíveis, se aproximou. "Em que posso servi-lo?", perguntou.
"Estou procurando por uma edição especial de Advertisements for Myself. Soube que o autor mandou imprimir alguns milhares de exemplares com douração para os amigos."
"Tenho que verificar", ele disse. "Temos uma linha direta para a casa de Mailer."
Encarei-o fixamente e disse: "Sherry me mandou vir aqui."
"Bem, nesse caso, vá até os fundos." Ele apertou um botão; uma parede de livros se abriu e eu entrei como um cordeiro naquele animado palácio de prazer conhecido como a toca de Flossie.
O papel de parede flocado vermelho e a decoração vitoriana davam o tom. Garotas pálidas e nervosas, com óculos de aros pretos e cabelos em corte reto se recostavam em sofás, folheando clássicos da Penguin provocantemente. Uma loura com um grande sorriso piscou para mim, fez um sinal na direção de um quarto no andar de cima e disse: "Vamos de Wallace Stevens?" Mas não se tratava apenas de experiências intelectuais - elas ofereciam experiências emocionais também. Por cinqüenta paus, fiquei sabendo, era possível "relacionar-se sem chegar à intimidade. Por cem, uma das meninas poderia emprestar seus discos de Bartók, jantar com você e depois deixá-lo observando enquanto ela tinha um ataque de ansiedade. Por cento e cinqüenta, era possível ouvir uma rádio FM com gêmeas. Três notas davam direito a um pacote: uma judia morena e magra fingiria apanhá-lo no Museu de Arte Moderna, deixaria você ler sua monografia de mestrado, levaria você a se envolverem uma discussão acalorada no Elaine's sobre a concepção de Freud acerca das mulheres e, por fim, simularia um suicídio de sua escolha - uma noite perfeita, para alguns camaradas. Quanta agitação. Grande cidade, Nova lorque.
"Está gostando?", ouvi uma voz atrás de mim. Virei-me e de repente vi-me diante do cano de um 38. Sou um sujeito de estômago forte, mas desta vez ele deu um pulo. Era Flossie. A voz era a mesma, mas Flossie era um homem. Uma máscara cobria seu rosto.
"Você não vai acreditar", ele disse, "mas eu nem terminei a faculdade. Fui excluído por causa de notas baixas."
"Por isso é que você usa esta máscara?"
"Eu bolei um esquema complicado para assumir o comando de The New York Review of Books, mas isto significava que teria de passar por Lionel Trilling. Submeti-me a uma operação no México. Existe um médico em Juarez que dá às pessoas as feições de Trilling - cobrando por isso. Mas algo saiu errado. Eu acabei parecido com Auden e com a voz de Mary Mc Carthy Foi então que passei a agir do outro lado da lei."
Rapidamente, antes que ele pudesse apertar o gatilho, entrei em ação. Atirando-me para a frente, com o cotovelo golpeei seu maxilar e, enquanto ele caía para trás, agarrei a arma. Caiu ao chão como uma tonelada de tijolos. Ainda estava se lamuriando quando a polícia chegou.
"Bom trabalho, Kaiser", disse o sargento Holmes. "Quando terminarmos com este sujeito, o FBI vai querer uma conversinha com ele. Um probleminha a respeito de alguns jogadores e um exemplar anotado do Inferno de Dante. Podem levá-lo, rapazes."
Naquela noite, procurei uma velha conhecida minha chamada Glória. Era loura e havia se diplomado com louvor. A diferença era que havia se formado em educação física. Parecia legal.




Nenhum comentário: