Embora Vênus seja minha terceira deusa, na casa da ancestralidade, quase sempre ela toma a frente dos dois primeiros para estar do meu lado nas horas difíceis, tanto que até estranhei ela não interferir em nada no ano passado. Não creio que fosse por ciúmes¹ de eu ter deixado ela um pouco de lado para cuidar da minha mãe carnal, uma linda filha de Afrodite.
Acredito que ela soube respeitar meus sentimentos durante a doença onde me doei de corpo, espírito e gênio, que nem tive forças para trazer de volta minha amada que foi embora no começo da doença. Depois de a minha mãe carnal atravessar o Estige e eu cuidar da alma dela com tal empenho, que pela primeira vez na minha vida me senti um sacerdote de Zagreus.
Foi um ano de mortes e perdas onde me reconheci mais e mais nos mitos do meu Deus percebendo como nunca havia visto antes o quanto ele e eu nos fundidos numa mesma personalidade. Repeti o mito em toda sua essência, descendo aos ínferos mundos em busca da minha mãe desenganada, e perdendo minha Ariadne.
Mas depois que minha mãe foi embora, percebi que não havia mais retorno e precisava matar em mim aquela que me deixara, já que tudo se confundiu a tal ponto que nunca mais voltaríamos a ser o que éramos, ainda que o amor ainda vivesse, estávamos em constante rota de colisão. Matar um amor que ainda vive em seu peito é quase matar a si mesmo. O luto por uma pessoa morta é definitivo, mas o luto por quem ainda vive é mais triste e negro. Do morto no máximo podemos encontrar sua sombra, seu fantasma perdido no entre mundos, mas de um amor vivo, estamos sempre em risco iminente de trombar em algum lugar, e estas coisas acontecem por mais que não queremos.
Tranquei-me em minha dor como contei na postagem “A Solidão”. Mas depois de postar tive certo alivio, pois nos dias anteriores estive em comunhão com os deuses no ritual do solstício e colocar pra fora tudo que engoli no pior ano da minha vida foi uma catarse, deixei purgar a tristeza que me possuía, pois ela era estranha ao meu ser e a minha natureza. Lancetei o tumor que me consumia e deixei que o pus escorresse tanto que uma querida amiga questionou; se eu não tinha exagerado na dose e me exposto demais? Disse que não, pois minha maior defesa é ser sempre transparente, não guardando esqueletos em armários para que um dia fosse descoberto.
No templo, pois o ritual exigia uma vigília de uma noite à espera da Apoteose de Dionísio, e não de seu nascimento como queriam vários grupos pagãos, afinal não existe uma roda do ano, pois o ciclo de nascimento, morte, renascimento e apoteose de Zagreus/Dionísio é bienal, passei a noite em claro com alguns cochilos premonitórios onde os deuses sussurravam em meus ouvidos. Neste momento ela voltou e pediu que eu abrisse o seu assentamento e no que corri para fazê-lo e a pequena cataclava, uma panela especial para cozimento a pressão, de cobre estava quente, se não tivesse mãos de cozinheiro não conseguiria abri-la. Depois de aberto escutei nitidamente: – Chega Cezar, você já foi além do que você podia ter ido por amor. É hora de você voltar a viver. E mais uma serie de outras coisas foram vindo na minha cabeça, mas não vale à pena comentar aqui. Quando voltei a São Paulo comecei a escrever “A solidão”, o primeiro texto que consegui escrever desde Julho de 2011. E isto era a coisa que eu mais sentia falta, Ela voltou e com ela veio a vontade de retomar minha catagênese e falar de mim e dos deuses.
¹ Venus, não gosta do sofrimento nem do sangue... geralmente ela se afasta nestas horas, assim como Dioniso e Artemis não suportam a morte, ambos se afastam segundos antes dela acontecer...
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