quarta-feira, outubro 31, 2007

Halloween, ARGH! BLEGS!

Legal, é gostoso, é brincadeira, mas não vale a pena ler as merdas que postam na rede este dia e as coisas que aparecem na midia.

Parece que temos o Dia das Bruxas um novo Primeiro de Abril qualquer bobagem vale, qualquer mentira pode ser contada. Mas o pior de tudo são os que se levam a sério e tentam justificar históricamente a dada, mesmo na Wikipedia encontramos joias como esta:

"A origem do halloween remonta às tradições dos povos que habitaram a Gália e as ilhas da Grã-Bretanha entre os anos 600 a.C. e 800 d.C., embora com marcadas diferenças em relação às atuais abóboras ou da famosa frase "Gostosuras ou travessuras", exportada pelos Estados Unidos, que popularizaram a comemoração."

Se lembrarmos que nesta época a Galia foi tomada por bárbaros germânicos como Godos, Visigodos e Francos e a Inglaterra por Saxões e a Irlanda havia sido convertida ao cristianismo por S. Patrício no ano 400 eu gostaria de saber que celtas habitavam estes lugares entre os anos 600 e 800?

Fora a tentativa de explicar a origem do nome, que misturam raízes saxãs e dizem que é gaélico.

Também tem os textinhos que recebemos por e-mail, falando das maravilhas desta noite.

Gente... vamos brincar de bruxos almas do outro mundo... vamos comprar mascaras e usar fantasias, mas por favor, vamos manter a sanidade!!!!!!

terça-feira, outubro 30, 2007

Oxóssi


Se existia um Orixá do candomblé que eu não ia com a cara, este Orixá era Oxóssi . Não sei exatamente a razão, se era alguma quizila com Oxoguiã, lembranças minhas de um irmão de santo que era um porre, ou se acabei cometendo um erro comum, afinal todos erramos já que Ate foi expulsa do Olimpo e fez morada ente os homens. Assim há 35 anos acabei confundindo a divindade com seu filho. Portanto a minha visão de Oxóssi ficou sendo a do "Dofono de Oxóssi " lá de casa. Falso, dissimulado, fofoqueiro e com uma enorme tendência a querer aparecer era a imagem que fazia do Orixá.

Vivo sempre dizendo que o tempo é o melhor remédio, que o tempo é sábio, não vejo Saturno como um deus maléfico e rabugento, mas como a sabedoria que só o tempo nos dá. E neste caso precisei de 35 anos para compreender meu erro e esta compressão começou quando conheci o Júlio César, um filho de Oxóssi , amigo da tribo. O Júlio é um apolinho negro, bonito, malhadinho, com a cabeça aberta para o conhecimento e principalmente um reformador do candomblé. Acho linda a sua crença que é possível modernizar o candomblé sem ferir os preceitos e os fundamentos e sua vontade de trocar conhecimento.

Mas este texto não é uma elegia e portanto, vamos voltar ao assunto principal, que é o reconhecimento do meu erro em relação a uma divindade.

No ultimo fim de semana, todos meus preconceitos em relação a Oxóssi , caíram por terra quando o Oxóssi do Julio me abraçou: Senti a energia vibrante da divindade e esta dissipou todos os preconceitos que eu tinha em relação ao Orixá. Assim como os Deuses que cultuo hoje, embora nunca tenha esquecido ou abandonado o Oxaguiã, os Orixás são deuses, vibram como tais e reúnem em si as dualidades e polaridades.

É claro que Oxóssi é tudo que eu pensava, matreiro e dissimulado como deve ser um deus que caça. Se move furtivamente, se esconde por trás das folhas para não espantar a caça tal e qual ao Zagreus o grande caçador. Porém ele não é só isto é muito mais.

Eu que tanto reclamo das pessoas em geral que vêem os deuses apenas nos seus arquétipos básicos e ignoram os demais aspectos, estava fazendo exatamente isto com este deus africano.

Agradeço aqui publicamente a Oxóssi, por me ensinar uma lição que sempre passo, mas que não havia apreendido totalmente.

Obrigado Oxóssi , pelo carinho e pelo abraço que me mostrou o meu erro.

Oke Arô "Okê"

segunda-feira, outubro 22, 2007

O Tempero da Vida


Bem Vindo tu que sofreste sofreres que nunca sofrera

De homem um Deus, te fizeste...

(Inscrição tumular na cidade de Turioi Século IV ac.)

Depois que Baco, que clama Evoé, for ferido

Sangue, fogo e pó vão ser misturados.

(Fragmento de autoria desconhecida

sobre o sacrifício do bode como representação dionisíaca)

O galo cantou a primeira vez e a madrugada continuou a avançar...

O galo cantou a Segunda vez e o noturno Zagreus Nyktélios relembra a dor do seu corpo desmembrado e caminha dentro da noite com passos que mantém o ritmo de seu coração pulsante guardado por Zeus.

O deus morto se mantém vivo, embora não tenha mais corpo, pois este serviu de banquete aos titãs. Vive no Ctônico em que foi criado mas volta a terra sem formas coberto pela pele de uma cabra preta.

Zagreus Melánaigis, o negro Dionisio, aquele que conhece e compreende a dor dos homens, anda na noite negra. Escuta as suplicas de um de seus filhos que o invoca e sabe que onde ele é chamado existe a dor e o sofrimento, por isto agora voa nas asas de Nix para atender seu chamado. Melánaigis conhece as dores da morte, lutou contra ela mas foi imolado, cortado em quartos e fervido em leite e devorado. Um deus não morre e Zagreus sentiu os titânicos dentes na sua carne, dores que os deuses não sentem. Não desceu aos mundos subterrâneos, pois uma sombra branda coberta de caulim recolheu seu coração e o manteve pulsante e por não morrer não pode entrar no Hades. Por isto busca seu filho que sofre e agoniza.

Um pio agudo rasga a noite e agora ele sabe para onde ir. É Hécate indicando o caminho.

Seu filho está envolto em dores e o frio da morte lhe provoca arrepios e contrações musculares, a Trivia já abriu seus portais e grita como ave agourenta para que o iniciado a siga para os mundos inferiores. Zagreus chega a tempo e toma seu filho para si, e divide com ele o corpo e faz com ajuda de Hecate que o processo de morte e renascimento ocorra sem que a alma fosse levada ao Hades, e renasce com seu filho em seu corpo.

Agora ambos são um, Pai e filho estão juntos no corpo integro do iniciado. Do fundo de sua garganta morta um felino rosna como um gato acuado, os pés se firmam sobre a negra lama de Cybele e se misturam no pântano ctônico da criação até quase os tornozelos e a força da Deusa Mãe percorre o corpo do homem deus, que se firma sobre seus pé e Ri.

O Riso se transforma em gargalhadas de pura alegria de viver, o sangue aquece os músculos, a vida retorna e Zagreus renasce para o mundo, seu sua alegria retorna a terra, para temperar um mundo de dissabores, tristezas e dores que fazem parte da vida. Renasce conhecendo a morte, sabendo o que os deuses não sabem, abraçando a vida humana como um todo, reconhecendo a importância da vida física e mortal e o prazer de estar vivo e sabe que seu trabalho é aliviar as dores, igualar as desigualdades e oferecer aos homens uma segunda chance e o poder de mudar suas próprias vidas seja permanentemente ou nos momentos de embriagues.

O galo canta pela terceira vez e Eos desperta e rasga a noite com dedos lilases deixando que Helios se mostre no horizonte, mas Hera desconfiada enche o mundo de brumas, para esconder a luz. Porém é Dionisio quem nasce e o que devia esconder sua glória, apenas refresca o ar e o que podia ser uma praga se transforma em benção um dia de brumas claras para embalar o sono do recém nascido.

Dionisio Zagreus é um deus das mulheres, que são aquelas que geram homens, a elas ele da o conforto das caricias que temperam o amor humano, e é por ele que elas rasgam suas roupas soltam as cabeleiras e correm para os montes para louva-lo.

É nele que todos se refugiam quando a vida perde o sabor e se transforma num fardo pesado a carregar, é Dionisio quem trás a alegria aos humanos através do vinho e de sua sábia loucura é ele que nos ajuda a viver.

Dioniso é o que tempera a vida, é aquele que dá o sabor de viver, pois ele, somente ele que conhece a noite escura e a morte.

Ser da tribo

Não importa muito como a chamamos, se tribo, gens, familia ou clã, o significado é um só: Comungar as mesmas crenças e respeitar aos outros como irmãos. Nada desta coisa hipócrita de ordens mágicas onde chamamos os companheiros de irmãos e os traímos na primeira oportunidade.

Ser da tribo é ser acolhido, é aceitar uma nova família, a família que você fez a opção de participar e onde os laços de sangue são substituídos por laços ainda mais fortes que o próprio sangue, os laços espirituais de uma existência, amigos e irmãos há muito perdidos na roda das encarnações, que se reencontram e se reconhecem.

Ser da tribo é deixar o eu pelo nós. É esquecer as futilidades do convívio social e se entregar sem medo e sem interesses à esta nova família.

Ser da tribo é compartilhar conhecimentos e segredos da sua alma. É receber apoio sem precisar pedir e ver nos olhos de quem te apoia não um brilho complacente ou superior de quem te ajuda, mas sim a verdadeira felicidade do prazer de compartilhar um momento junto e fazer desde momento algo mágico, que nos parece irreal no mundo que vivemos.

Ser da Tribo é deixar sua individualidade, é parar de querer ganhar vantagens sozinho e compartilhar as vitórias. É deixar de atropelar pessoas que gostam de você por uma vantagem pessoal. É respeitar aqueles que o cercam.

Bem ... porque estou falando isto?

Porque nesta semana que passei sumido, pude ver tudo isto acontecendo no seio da família que decidi fazer parte. Vi o esforço coletivo destas pessoas que viajaram, ficaram noites sem dormir, dispuseram recursos financeiros para que um objetivo comum se concretizasse, e vi nos olhos de todos eles a felicidade de partilhar um pouco de suas vidas comigo.

Ontem acordei como um membro da Tribo, e pude perceber que isto é muito importante, não aquela importância banal que tem as coisas feitas por algum objetivo escuso, mas sim a importância de participar da vida de pessoas que amamos, que queremos ficar juntos, simplesmente por que temos prazer de estar com elas.

Hoje sinto que sou parte da Tribo, qual tribo? Não importa, o nome ou os objetivos. O que importa é que é a minha tribo.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Outro dia surgiu uma discussão numa comunidade sobre a morte dos deuses, ao que respondi que os deuses morriam, quando nós humanos nos esquecíamos deles. Aí sempre aparecem aqueles que dizem que os deuses nunca morrem, e que nós não temos a menor influencia nisso.
As energias divinas nunca morrem, porém estas energias ou os nomes e formas que damos a elas morrem sim, mudam de nome e se mantém como energia divina, mas a visão que nossos ancestrais tinham delas desaparecem.
Antes mesmo que Romulo ocupasse o monte Palatino, sobre a Colina Vélia, já existia um templo em honra a Mutunus Tutunus, as antigas lendas contam que este templo existia desde os primórdios, e nele era cultuado este Deus na forma de um falo viril. Mutunus Tutunos era o Deus de toda fecundação, estava ligado a procriação humana, dos animais e a fertilidade da terra mãe.
Sabemos muito pouco deste antigo deus latino, e por maior ironia dos quatro autores que citam seu nome, o que nos dá mais pistas sobre seu culto é justamente Santo Agostinho (que menciona seu nome em Cidade de Deus - Livro IV capitulo XI e descreve o seu culto no - Livro VII capitulo XXI já com o nome de Libero)
"Eis uma das coisas que me vejo forçado a silenciar, por serem muitas: Nas encruzilhadas da Itália celebravam-se os mistérios de Libero, diz Varrão, com tamanha libertinagem e torpeza, que em sua honra se reverenciavam as partes viris do homem. Não o faziam em segredo, caso em que seria mais vergonhoso, mas em público, triunfando, assim, a carnal torpeza. Durante as festividades de Libero, o vergonhoso membro era, com grande honra, posto em cima de carros e passeado, primeiro do campo às encruzilhadas, depois pelas cercanias de Roma, onde acabava entrando.
Na cidade chamada Lavínio dedicava-se um mês inteiro às festividades de Libero. Durante trinta dias todos usavam as palavras mais indecorosas, até que o referido membro, depois de conduzido em procissão pelas ruas, fosse repousar, enfim, em seu lugar. Ao desonesto membro era preciso que honestíssima mãe de família lhe impusesse publicamente a coroa. Desse modo se devia tornar propício o deus Libero, para maior rendimento das colheitas. Assim devia repelir-se dos campos o feitiço, a fim de a matrona ver-se obrigada a fazer em público o que até a meretriz se deveria proibir fazer em cena, se espectadoras as matronas."
Mutunus Tatunus o Dionisio dos Etruscos e Latinos Primordiais, não cumpria apenas este culto agrícola, mas a toda a criação, para os humanos que levavam sua estátua (em tamanho menor) para a porta de suas casas como símbolo apotropaico, para afastar feitiços e malefícios lançados por inimigos, mas também para o interior da alcova como amuleto fecundador ou ao leito nupcial onde a estatueta era usada para que a noiva sentasse sobre ela consagrando ao deus sua virgindade, protegendo o noivo do perigo magico que a defloração de uma mulher causaria a ele, já que entre os antigos etruscos a sacralidade da mulher como força da natureza, não podia ser tocada pelo homem.
Este fato Ligado a Mutunus Tutunus, me fez compreender o papel de Hermes na Grécia, junto ao leito nupcial como deflorador das noivas. Algo que até encontrar com este deus esquecido, não consegui compreender. É provável que estes costumes venham dos primeiros povos agrícolas do neolítico, onde o feminino pode ter tido um destaque maior que o masculino, já que nestas sociedades o culto a Mãe Terra era dominante.
Embora Mutunus Tutunus, tenha sido esquecido, seu culto permaneceu em Líbero, depois Pater Liber que finalmente se funde ao culto dionisíaco vindo da Grécia.
O culto a Pater Liber simbolizava a fecundidade da natureza e espalhou-se por toda a Itália, fazendo com que o senado romano temesse que ele fosse capaz de desestabilizar a republica e por isto foi proibido no ano de 186 A.C. mas como nunca deixou de ser cultuado nos campos, a febre dionisíaca continuou rondando Roma até que nos primórdios do Império, volta com toda a força, não mais nos humildes camponeses mas sim na aristocracia romana que acolheu suas imagens e seus mitos. Na Roma Imperial, que são as ruínas que encontramos hoje, sua imagem como o falo é onipresente em estátuas, amuletos e afrescos como os que encontramos na vila dos mistérios em Pompéia.
Mostrando que os deuses antigos são esquecidos e mortos, mas retornam em novos deuses, que mantém vivas as forças da natureza que geraram os deuses primordiais.

MVTVNVS TUTUNUS II

Engraçado, quando resolvi escrever sobre Mutunus Tutunus, pensei em apenas mostrar a evolução de um deus em relação ao desenvolvimento da sociedade que o cultuava, não imaginei que chamaria a discussão de outros pontos.

Os Romanos, com seu Império de mais de mil anos, que tanto influenciaram a sociedade ocidental, viam sua civilização como o estado da ordem contra a barbárie. E buscaram civilizar seus deuses e que estes fossem os agentes da ordem, os pilares de uma sociedade organizada se opondo ao caos.
Por isto Mutunus Tutunos a força incontrolável da fertilidade foi suavizada e transformada com sua fusão a outros deuses. Por isto também o culto dionisíaco foi considerado subversivo e finalmente proibido. Porém existem forças da natureza que são impossíveis de serem controladas, a fertilidade humana, animal e vegetal é uma delas. Brota do interior da terra e explode a cada primavera nos campos e também nos humanos e por isto: Por mais que as amarras das religiões e da ordem social tentem imobiliza-la, ela sempre volta e cada vez com mais força. O fascínio do membro viril ereto vem dos primórdios da nossa raça, desde o paleolítico estão gravadas nas paredes de pedra das cavernas este símbolo da força da reprodução.


Os romanos ficavam numa encruzilhada sem alternativas, ao mesmo tempo que precisavam incentivar a fertilidade, pois precisavam de filhos de Roma para o crescimento das gens e de seu império, viam no sexo um fator de instabilidade para o império, pois era uma força irrefreável da natureza portanto difícil de ser controlada. E assim Roma ficou encurralada entre dois grandes perigos: Se negligenciassem os cultos a fertilidade e virilidade as fontes da vida em seus territórios poderiam secar; outro que não temia menos, liberar estas praticas e estas viessem a provocar acessos de fanatismo e desordem tão prejudiciais a Urbe. O medo do senado em relação aos cultos dionisíacos, na época dos escandalosos bacanais da epidemia de Dionisio, não era menor que o que tinham em relação ao culto de Vênus a patrona dos amores.

E ainda que o Estado romano proibisse ou mascarasse o culto a estas divindades o Falo e a Figa eram símbolos da vida e eram fartamente usados para afastar o mal e as doenças, proteção das casas e para a fertilidade dos campos. A vida pulsante e forte e o sexo, eram sem duvida o melhor amuleto para afastar as sombras.




quarta-feira, outubro 10, 2007

Vênus


"Amanhã é o dia em que pela primeira vez Éter celebrou suas bodas. Para criar suas nuvens primaveris o ano todo esse pai se espalhou, em chuva amorosa, no seio de sua fecunda esposa; unido a esse grande corpo, ele produzira todos os seres. E Vênus que, com seu alento sutil, penetra o sangue e a alma para exercer sobre a procriação seu poder misterioso. Através dos céus, através das terras, através do mar, ela abriu para si um caminho que não cessa de impregnar com os germes da vida, e, á sua ordem, o mundo aprendeu a gerar."

(Autor desconhecido, recolhido pelo historiador do Século I Lucio Anneo Floro)

terça-feira, outubro 09, 2007

Música de cama,



Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante
De dentes cerrados
ondulas avanças
retesas os braços
comprimes as ancas
Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto
e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga
Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada
no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água
Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos esses
sorvê-los agora
Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra a sede
que me queima a língua
A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu

(David Mourão-Ferreira, 1927-1996, Portugal in
"Eros de Passagem - Poesia Erótica Contemporânea"
Campo das Letras, Porto, 1997)


sexta-feira, outubro 05, 2007

Viagem

Quero mergulhar num mar rosado
nadar profundo.
Encontrar outros mundos
ver a vida cor-de-rosa
Quero embriagar-me de luz
e de amarelo
transmudar-me em chamas
que iluminam sem queimar
Quero hoje viajar.
Percorrer as tuas veias
navegando no teu sangue
conhecer tuas entranhas
Quero ouvir teu coração pulsar de perto
Quero resfriar-me no ar dos teus pulmões
tocar teus órgãos
ver a luz que tens por dentro
e que te escapa pelos olhos.
Quero ver teu organismo em funcionamento
Quero-te ver de dentro para fora
ver o mundo com teus olhos
e saber se é verdade
se tu achas mesmo
que eu sou assim bonita.
(Anna Maria Feitosa, Brasil
in "Poemas de amor e segredo (poemas quase de medo)
"edição do Instituto Piaget - Portugal)

Paixão ou demência


Paixão
Agitação que inflama
toda carne mundana
pura insanidade
que a alma invade
de desejos pervertidos
pureza abolida...
Insensatez
Sordidez?
ou
Sentimento louco
tomando conta da mente
que mente
infinitamente
delinqüente
até mesmo para a gente...
Ahhhh, dor cruel
amarga como fel
quando não correspondida
torna impossível à nossa vida...
Paixão
Forma-se um oco
profundono nosso miserável mundo...
Orgasmosem cascatas fluindo
sem mesmo estarmos sentindo...
É um gozo animal
que dói em forma
de agressivas ondas
é um sentimento anormal...
Paixão
Quero te dar
tudo, da cabeça até os pés
entranhas, vísceras
boca, ouvidos
todos os orifícios...
Penetre-me agora
meu corpo é teu
deixe-me vazia
de tudo que é meu...
Não quero fantasiasé real...
Paixãocomo à minha
não existe no Mundo
outra que seja igual...
Paixão
Por trásde ladode beira
pela frente
ou de qualquer maneira...
Paixão
Meu vícioé somente te ter
faça-me agora
em soluços de dor
por tiensandecer...
Paixão
Lasciva
Ativa
Passiva
Demente?
Estoque-me
de espada em riste
perfure meu ventre...
Paixão
Faça-me sangrar
até morrer de te amar
não quero mais
minha poesia rimar...
PaixãoFêmea sou
rastejante de Amor
Vagabunda na Dor...
Paixão
Acabe meu cio
ou a ti
sevicioqual
louca, demente
ardente mulher
Delirante que sou
quando a ti me dou!...

(Graça da Praia das Flechas,
in Usina de Letras, 2006)

Nimphe



Vem
Eu dou
Esquento
Agüento
Viro comida
Supimpa
Escandalosa
Gulosa
Com Nervos
Anseios
Pelos meios.
Entrecortada de nesgas
Não sou costura
Mas tenho bainha
Põe sua arma nela
Já é minha.
Agüento
Com loucura
Seu intento
Não invento.
Vento
Que vem forte
Como furacão
Derrubando tudo
Fico desnuda
Tesuda
Corpo literário
Temerário
Complexo
Pelos atos
Em desacato à moral
Tradicional.
Vejo as veias
Em seu membro saltarem
A latejar
De prazer sucumbido
Quando com minha língua
Lambo seu umbigo.
Descendo vou
Para seu nervo do amor
Totalmente endurecido
Tetânico
Querendo ser engolido.
Grita
Serpenteia
Esperneia
Mas caia em minha teia.
No fim reconheça
Sou somente sua
Com todas as minhas tretas.
Manhas que uso
Quero a você arrebatar
Jamais em outra pensar
Eu, sozinha
A única
Soberana a reinar.
De seu corpo
Trago em minha boca o
Paladar.
(Graça da Praia das flechas,
Brasil in Usina de Letras, 2007)

quinta-feira, outubro 04, 2007

Fragmentos


Parece-me igual dos deuses ser aquele homem que,

à tua frente sentado, de perto,

doces palavras, inclinando o rosto, escuta,

e quando te ris - brilho e desejo -;

isso eu juro,

me faz com pavor bater o coração no peito;

eu te vejo um instante apenas

e as palavras todas me abandonam;

a língua se parte; debaixo da minha pele,

no mesmo instante, corre um fogo sutil;

meus olhos não vêem; zumbem meus ouvidos;

um frio suor me recobre,

um frêmito se apodera do corpo todo,

mais verde que as ervas eu fico;

e que já estou morta, parece

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...antigamente, era assim que dançavam

A esta hora, as mulheres de Creta;

Ao som da música, ao redor do altar sagrado

Dançavam calcando com os pés delicados

As flores tenras da relva...

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– quero dizer-te uma coisa,

mas a vergonha me impede

– se fosse coisa honesta e boa,

se palavras más não te travassem a lingua,

os olhos não abaixarias, para dizer,

com franqueza, teu pensamento...

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[Éros mythóplokos]

[Eros] doceamargo

[Eros] que faz sofrer

[Eros] tecelão de mitos

[Eros o deus da astúcia que tece a palavra]

Safo de Lesbos

segunda-feira, outubro 01, 2007

Réquiem

ou o inicio da nova Jornada

Quando meu caminho me conduzir ao final (espero que se passem décadas até lá) e o inevitável corte da tesoura implacável de Átropos marcar o final da minha passagem por esta vida, irei feliz ao encontro do hospitaleiro Hades, que me franqueará os portais de seu reino.
Gosto de acreditar que o pós morte será como eu o imagino em vida. Temos na morte o que tivemos na vida e eu, que há muito não acredito no inferno ou paraíso eternos e nem tampouco nas casas de recuperação dos espiritas cristãos, terei uma boa vida após a morte, antes de renascer novamente, para continuar meu caminho e aprendizado.
Imagino que uma mão caridosa coloque um óbolo em minha boca e me diga palavras de consolo e lembrando o quanto minha vida foi fértil e feliz. Gostaria que numerassem meus feitos, minhas glórias e aventuras e que, ao invés de lagrimas e saudades, lembrassem que tive uma vida boa e que esta agora chegara fim, mas que continuarei na memória da minha amada e no sangue de meus filhos e que portanto uma boa parte de mim continuará vivendo na terra.
Gostaria de piadas, risos e alegria antes que Hermes chegasse para me conduzir a minha nova morada. Quero boas lembranças dos meus entes queridos, que continuarão por mais um tempo na vida da terra. Quero estar vestido de linho ou algodão e quero que meu corpo repouse na terra crua para que ele possa nutri-la, e sobre minha carne se plante uma arvore frutífera para que alimente aos pássaros, e aos seus pés uns ramos de heras que envolva o seu tronco.
Logo o Psicopompo me afastará das lagrimas e meu espirito seguirá o caduceu pelas passagens e os lentos rios subterrâneos até o Rio Aqueronte, onde em suas margens esperarei o barqueiro, me entretendo com as mirabolantes histórias, criadas pelas almas quais seus parentes esqueceram o óbolo. Continuamente as repetem, a todos que ali chegam acreditando que conseguirão enganar o astuto Caronte ou convencê-lo de que perderam a moeda numa aposta com Hermes.
Quando o barqueiro encostar a balsa, subirei a bordo com a minha moeda em mãos e confiante pagarei minha passagem. Depois da lenta travessia do rio de gelo, pelo qual juram os deuses, estarei diante da Planície dos Narcisos que antecede os portões do Hades, guardados por Cérbero. Este monstruoso animal com três cabeças nada faz contra os que chegam, e nos recebe bem, com lambidas afetuosas e o balançar da cauda. Porém este se torna terrível contra os visitantes indesejados e aos infelizes espíritos que apegados a vida querem voltar à terra. A Planície dos narcisos é um local triste, de eterna névoa e árvores sombrias com galhos tristes que pendem como lágrimas em direção ao solo cinzento, calcinado pelo fogo e revolvido por um vento frio e constante. Neste descampado vagam os espíritos sem feitos ou lembranças, aqueles que não deixaram famílias e que não espalharam seus genes. Gente que em nada interferiu no mundo superior, viveram como nuvens que passaram sem deixar rastros, não deixaram amores, não suscitaram amor nem ódio, não ouviram os deuses e simplesmente foram arrastados pela vida, sem nem mesmo seguirem o próprio destino. Estas almas não sofrem tormentos, nem tampouco têm alegria, apenas se arrastam segurando os que passam pelos pés e pernas perguntando continuamente quem são e que caminho devem seguir. Buscam um líder ou general que os guiem, pois nunca pensaram por si próprios. E porque nunca pensaram em si ou nos deuses vagarão até que a mínima lembrança de vida se esvaia e seus espíritos se dissolva no nevoeiro e deles só reste um triste gemido.
Para além da Planície dos Narcisos está o Érbero, com seus verdes campos limitados pelo Rio Letes, onde aqueles que levados por Perséfone, os espíritos que iriam renascer, bebiam para esquecer todas as lembranças antes de receber um novo novelo das Moiras.
No final destes campos se erguiam as moradas do Clímeno (o Ilustre) Eubuleu (o dos bons conselhos) com suas altas muralhas e grandes portões de bronze. Onde o Rei dos ínferos mundos mora com sua esposa. E é nestes imensos castelos que Hades aconselha as almas para sua próxima vida.
Pouco antes da Entrada principal, fica uma cidadela onde as almas são julgadas por Minos, Radamanto e Sarpedon depois substituído por Éaco, que deliberam se a alma cumpriu o seu destino, se deixou lembrança na terra e se tinha filhos e esposas que o amavam. Também vêem os que tinham ofendido aos deuses e que não haviam sido castigados em vida por Nemésis e aquelas almas desafortunadas que não deixaram lembranças.
Estes últimos que, não indiferentes ao destino, nada fizeram para cumpri-lo, são devolvidos à Planície dos Narcisos e seu destino já foi descrito acima, passando a eternidade naquele sombrio lugar onde o dia e a noite não se distinguem.
Os demais são encaminhados para dois outros caminhos. Aqueles que se esqueceram dos deuses e os ofenderam são encaminhados para o sombrio Tártaro, que é cercado por um lado pelo gelado Estinge e circundado por uma muralha de pedra negra e tem portões de ferro trancados por dentro, que só se abrem para dar entrada a mais um morto impiedoso. O Tártaro é um local de castigo para os que desafiaram aos deuses e seus gritos angustiantes se ouvem através das grossas muralhas triplas e nenhum mito revela que uma alma tenha fugido de lá.
O terceiro caminho, aquele que espero seguir, leva aos Campos Elísios onde o sol sempre brilha, já que os espíritos nunca precisam de repouso, as clareiras estão repletas de música e sempre se pode dançar. Os banquetes são diários e o vinho corre em cascata, mas é impossível se embebedar além dos limites e a ressaca nunca acontece. Após os banquetes diários são servidas grandes bandejas com romãs e uvas para facilitar a digestão.
Nos Campos Elísios viverei o verdadeiro "requiescat in pace" na companhia de Heróis e de antigos deuses destronados como Cronos, alto como uma montanha, que lá se comporta como qualquer ancião que vive na terra, enterrado em recordações de seus tempos de glória, e Urano castrado por este, que por vezes passa resmungando o seu infortúnio enquanto arrastas seus chinelos. Aí viverei por um bom tempo com meus antepassados notáveis, os heróis da minha infância e adolescência e na companhia de Hecáte, a Rainha Invencível do Hades, onde tem grande autoridade.
É ela que, por vezes, nos purifica quando voltamos do mundo dos vivos, onde matamos as saudades dos entes queridos ou recebemos homenagens destes. Sim, os que habitam os Campos Elísios podem voltar ao mundo dos vivos, mas a vida lá é tão feliz que poucos se ausentam e mesmo assim por breves períodos. É Hecáte quem nos mostra o caminho que não passa nem por Caronte nem por Cérbero, nos ensina a evitar a água do Letes, pois se a bebemos vagaremos junto aos tristes espíritos do Vale dos Narcisos. É também Hécate que abre a porta para que espíritos vingativos voltem para atormentar os vivos que cometeram crimes ou injustiça para com eles. Por vezes, a rainha feiticeira vem ela mesma à Terra nas noites de plenilúnio, e sua negra figura pode ser vista acompanhada por três cães nas encruzilhadas ou em lugares onde os túmulos fazem sombras. Mas é por sua mão que voltámos renascidos para o mundo dos vivos, após beber a água do Letes servida por Perséfone. Voltarei sem memórias, para viver outra meada preparada por Laquesis, e nesta espero novamente cumprir meu destino, para seguir meu caminho espiritual, até que me seja concedido viver eternamente nos Campos Elísios, junto com meus ancestrais e com todos os que amei nas minhas muitas vidas.