Outro dia surgiu uma discussão numa comunidade sobre a morte dos deuses, ao que respondi que os deuses morriam, quando nós humanos nos esquecíamos deles. Aí sempre aparecem aqueles que dizem que os deuses nunca morrem, e que nós não temos a menor influencia nisso.
As energias divinas nunca morrem, porém estas energias ou os nomes e formas que damos a elas morrem sim, mudam de nome e se mantém como energia divina, mas a visão que nossos ancestrais tinham delas desaparecem.
Antes mesmo que Romulo ocupasse o monte Palatino, sobre a Colina Vélia, já existia um templo em honra a Mutunus Tutunus, as antigas lendas contam que este templo existia desde os primórdios, e nele era cultuado este Deus na forma de um falo viril. Mutunus Tutunos era o Deus de toda fecundação, estava ligado a procriação humana, dos animais e a fertilidade da terra mãe.
Sabemos muito pouco deste antigo deus latino, e por maior ironia dos quatro autores que citam seu nome, o que nos dá mais pistas sobre seu culto é justamente Santo Agostinho (que menciona seu nome em Cidade de Deus - Livro IV capitulo XI e descreve o seu culto no - Livro VII capitulo XXI já com o nome de Libero)
"Eis uma das coisas que me vejo forçado a silenciar, por serem muitas: Nas encruzilhadas da Itália celebravam-se os mistérios de Libero, diz Varrão, com tamanha libertinagem e torpeza, que em sua honra se reverenciavam as partes viris do homem. Não o faziam em segredo, caso em que seria mais vergonhoso, mas em público, triunfando, assim, a carnal torpeza. Durante as festividades de Libero, o vergonhoso membro era, com grande honra, posto em cima de carros e passeado, primeiro do campo às encruzilhadas, depois pelas cercanias de Roma, onde acabava entrando.
Na cidade chamada Lavínio dedicava-se um mês inteiro às festividades de Libero. Durante trinta dias todos usavam as palavras mais indecorosas, até que o referido membro, depois de conduzido em procissão pelas ruas, fosse repousar, enfim, em seu lugar. Ao desonesto membro era preciso que honestíssima mãe de família lhe impusesse publicamente a coroa. Desse modo se devia tornar propício o deus Libero, para maior rendimento das colheitas. Assim devia repelir-se dos campos o feitiço, a fim de a matrona ver-se obrigada a fazer em público o que até a meretriz se deveria proibir fazer em cena, se espectadoras as matronas."
Mutunus Tatunus o Dionisio dos Etruscos e Latinos Primordiais, não cumpria apenas este culto agrícola, mas a toda a criação, para os humanos que levavam sua estátua (em tamanho menor) para a porta de suas casas como símbolo apotropaico, para afastar feitiços e malefícios lançados por inimigos, mas também para o interior da alcova como amuleto fecundador ou ao leito nupcial onde a estatueta era usada para que a noiva sentasse sobre ela consagrando ao deus sua virgindade, protegendo o noivo do perigo magico que a defloração de uma mulher causaria a ele, já que entre os antigos etruscos a sacralidade da mulher como força da natureza, não podia ser tocada pelo homem.
Este fato Ligado a Mutunus Tutunus, me fez compreender o papel de Hermes na Grécia, junto ao leito nupcial como deflorador das noivas. Algo que até encontrar com este deus esquecido, não consegui compreender. É provável que estes costumes venham dos primeiros povos agrícolas do neolítico, onde o feminino pode ter tido um destaque maior que o masculino, já que nestas sociedades o culto a Mãe Terra era dominante.
Embora Mutunus Tutunus, tenha sido esquecido, seu culto permaneceu em Líbero, depois Pater Liber que finalmente se funde ao culto dionisíaco vindo da Grécia.
O culto a Pater Liber simbolizava a fecundidade da natureza e espalhou-se por toda a Itália, fazendo com que o senado romano temesse que ele fosse capaz de desestabilizar a republica e por isto foi proibido no ano de 186 A.C. mas como nunca deixou de ser cultuado nos campos, a febre dionisíaca continuou rondando Roma até que nos primórdios do Império, volta com toda a força, não mais nos humildes camponeses mas sim na aristocracia romana que acolheu suas imagens e seus mitos. Na Roma Imperial, que são as ruínas que encontramos hoje, sua imagem como o falo é onipresente em estátuas, amuletos e afrescos como os que encontramos na vila dos mistérios em Pompéia.
Mostrando que os deuses antigos são esquecidos e mortos, mas retornam em novos deuses, que mantém vivas as forças da natureza que geraram os deuses primordiais.
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