segunda-feira, outubro 22, 2007

O Tempero da Vida


Bem Vindo tu que sofreste sofreres que nunca sofrera

De homem um Deus, te fizeste...

(Inscrição tumular na cidade de Turioi Século IV ac.)

Depois que Baco, que clama Evoé, for ferido

Sangue, fogo e pó vão ser misturados.

(Fragmento de autoria desconhecida

sobre o sacrifício do bode como representação dionisíaca)

O galo cantou a primeira vez e a madrugada continuou a avançar...

O galo cantou a Segunda vez e o noturno Zagreus Nyktélios relembra a dor do seu corpo desmembrado e caminha dentro da noite com passos que mantém o ritmo de seu coração pulsante guardado por Zeus.

O deus morto se mantém vivo, embora não tenha mais corpo, pois este serviu de banquete aos titãs. Vive no Ctônico em que foi criado mas volta a terra sem formas coberto pela pele de uma cabra preta.

Zagreus Melánaigis, o negro Dionisio, aquele que conhece e compreende a dor dos homens, anda na noite negra. Escuta as suplicas de um de seus filhos que o invoca e sabe que onde ele é chamado existe a dor e o sofrimento, por isto agora voa nas asas de Nix para atender seu chamado. Melánaigis conhece as dores da morte, lutou contra ela mas foi imolado, cortado em quartos e fervido em leite e devorado. Um deus não morre e Zagreus sentiu os titânicos dentes na sua carne, dores que os deuses não sentem. Não desceu aos mundos subterrâneos, pois uma sombra branda coberta de caulim recolheu seu coração e o manteve pulsante e por não morrer não pode entrar no Hades. Por isto busca seu filho que sofre e agoniza.

Um pio agudo rasga a noite e agora ele sabe para onde ir. É Hécate indicando o caminho.

Seu filho está envolto em dores e o frio da morte lhe provoca arrepios e contrações musculares, a Trivia já abriu seus portais e grita como ave agourenta para que o iniciado a siga para os mundos inferiores. Zagreus chega a tempo e toma seu filho para si, e divide com ele o corpo e faz com ajuda de Hecate que o processo de morte e renascimento ocorra sem que a alma fosse levada ao Hades, e renasce com seu filho em seu corpo.

Agora ambos são um, Pai e filho estão juntos no corpo integro do iniciado. Do fundo de sua garganta morta um felino rosna como um gato acuado, os pés se firmam sobre a negra lama de Cybele e se misturam no pântano ctônico da criação até quase os tornozelos e a força da Deusa Mãe percorre o corpo do homem deus, que se firma sobre seus pé e Ri.

O Riso se transforma em gargalhadas de pura alegria de viver, o sangue aquece os músculos, a vida retorna e Zagreus renasce para o mundo, seu sua alegria retorna a terra, para temperar um mundo de dissabores, tristezas e dores que fazem parte da vida. Renasce conhecendo a morte, sabendo o que os deuses não sabem, abraçando a vida humana como um todo, reconhecendo a importância da vida física e mortal e o prazer de estar vivo e sabe que seu trabalho é aliviar as dores, igualar as desigualdades e oferecer aos homens uma segunda chance e o poder de mudar suas próprias vidas seja permanentemente ou nos momentos de embriagues.

O galo canta pela terceira vez e Eos desperta e rasga a noite com dedos lilases deixando que Helios se mostre no horizonte, mas Hera desconfiada enche o mundo de brumas, para esconder a luz. Porém é Dionisio quem nasce e o que devia esconder sua glória, apenas refresca o ar e o que podia ser uma praga se transforma em benção um dia de brumas claras para embalar o sono do recém nascido.

Dionisio Zagreus é um deus das mulheres, que são aquelas que geram homens, a elas ele da o conforto das caricias que temperam o amor humano, e é por ele que elas rasgam suas roupas soltam as cabeleiras e correm para os montes para louva-lo.

É nele que todos se refugiam quando a vida perde o sabor e se transforma num fardo pesado a carregar, é Dionisio quem trás a alegria aos humanos através do vinho e de sua sábia loucura é ele que nos ajuda a viver.

Dioniso é o que tempera a vida, é aquele que dá o sabor de viver, pois ele, somente ele que conhece a noite escura e a morte.

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